#acessibilidade: A imagem é uma ilustração de fundo estático. Nela temos um microscópio, do lado direito, observando organismos “monstruosinhos”, coloridos e com caretas, que estão destacados do lado esquerdo.
Texto escrito pelas colaboradoras Larissa Almeida Brigagão e Ana Paula Mattos Arêas
As bactérias são organismos unicelulares microscópicos que pertencem ao grupo dos procariotos, ou seja, o material genético não se encontra em um núcleo, mas está disperso no citoplasma da célula. Também não possuem várias organelas, como as células animais e vegetais, somente os ribossomos, que têm a função de sintetizar as proteínas bacterianas.
São micróbios responsáveis por diversos processos que participam da manutenção da vida, como aquelas que se encontram em nosso intestino e nos ajudam na digestão ou as que são fixadoras de nitrogênio, que vivem em simbiose com plantas leguminosas. Contudo, nem todas as bactérias estabelecem uma relação tão benéfica com o organismo onde se encontram. Muitas delas são comensalistas – não geram benefício para o hospedeiro, mas se beneficiam de seus nutrientes – nos primeiros estágios de infecção. Quando a imunidade do indivíduo é fragilizada por algum fator, estas bactérias, não raramente, se comportam de forma patogênica, ou seja, causam doenças. Bactérias que exibem esse comportamento são chamadas de oportunistas.
Um grupo de especial interesse são as bactérias classificadas como ESKAPE, que são patógenos oportunistas de grande importância clínica. O nome ESKAPE é um acrônimo para as bactérias Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumanni, Pseudomonas aeruginosa e espécies do gênero Enterobacter. Todas estas são espécies circulantes nos hospitais e estão envolvidas em infecções de difícil tratamento com antibióticos. Desde a descoberta da penicilina, por Alexander Fleming em 1928, e a demonstração da sua eficácia em humanos, por Ernst Boris Chain e Howard Walter Florey, em 1940, as bactérias têm se adaptado aos antibióticos de uso comum, sendo necessária a descoberta constante de novas moléculas das famílias de antibióticos existentes e, até, a criação de novas famílias de antibióticos.
As bactérias ESKAPE usam diversos mecanismos para escapar da ação de antibióticos, adquirindo resistência parcial ou completa a estas moléculas ao longo das gerações. Essa resistência é atribuída, principalmente, ao uso irresponsável desses agentes antibacterianos. Quando tomamos antibióticos, de forma indiscriminada, as bactérias mais suscetíveis são eliminadas por eles, porém as mais resistentes continuam em nosso organismo e se multiplicam. Por isso, se tomamos antibióticos, sem de fato precisarmos, estamos facilitando a seleção, permanência e multiplicação dessas bactérias resistentes. Os mecanismos de resistência bacteriana são de muitos tipos, provenientes de mutações diversas, em trechos distintos do genoma bacteriano e podem conferir diferentes níveis de resistência. Ou seja, em um ambiente desfavorável, em que está acontecendo multiplicação bacteriana abundante, cresce o número de erros na replicação e assim, também aumenta a chance de mutações capazes de conferir resistência a antibióticos. Tomando antimicrobianos desnecessariamente, não só estamos selecionando bactérias mais resistentes, mas aumentando as chances de seu surgimento.
As notícias, que vemos tantas vezes na mídia sobre infecções por superbactérias, nada mais são do que relatos de surtos causados por bactérias resistentes a múltiplos antibióticos, inclusive os mais modernos. Muitas delas são espécies pertencentes ao grupo ESKAPE. A grande preocupação causada por estas bactérias resultou num plano de ação, no âmbito das Américas, intitulado “Trabalhando juntos para combater a resistência aos antimicrobianos”, coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). O projeto, com duração de 3 anos (2020-2022), apoiado e financiado pela União Europeia, consistiu em uma ação conjunta de sete países contra a resistência antimicrobiana: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Uruguai. Em sequência às metas conquistadas por esse plano, a ANVISA lançou o Plano Nacional para prevenção e controle da resistência aos antimicrobianos em serviços de saúde, com duração entre 2023 e 2027. O projeto visa aprimorar os serviços de saúde a fim de prevenir, reduzir e detectar microrganismos multirresistentes nos serviços de saúde brasileiros. O Plano faz parte da abordagem One Health (Saúde Única) que engloba a medicina humana e veterinária, agricultura e meio ambiente sob a coordenação de vários setores governamentais.
#acessibilidade: cartão de divulgação onde se lê “Saúde única significa compreender que a saúde dos seres humanos, dos animais, das plantas e do ambiente estão interconectadas. O fundo do cartão é esverdeado e podemos ver imagens de duas galinhas, um porco, frutas e um trabalhador rural com um maço de trigo em suas mãos. Abaixo do cartão uma faixa azul lista logos da União Europeia, OPAS, Organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura e Organización Mundial de Sanidad Animal.
Nos últimos anos, infecções hospitalares têm se tornado cada vez mais frequentes no sistema de saúde brasileiro. Para citar um exemplo, nos anos de 2018 e 2019, registrou-se em um hospital no Paraná que mais de 50% dos pacientes internados estavam infectados por algum tipo de patógeno, sendo que a grande maioria possuía uma ou mais bactérias do grupo ESKAPE. Essas coinfecções agravam muito o quadro infeccioso dos pacientes, pois existe transferência dos genes de resistência entre elas. Ou seja, se uma espécie resistente a um dado antibiótico está se multiplicando em um órgão, ela pode tornar outras bactérias resistentes ao mesmo antibiótico.
A pandemia piorou ainda mais esse cenário preocupante. Neste período, registrou-se um maior número de casos de infecções por essas bactérias, relacionados ao uso de respiradores, equipamentos de suporte de vida costumeiramente contaminados por biofilmes bacterianos. Os biofilmes são uma forma de organização das bactérias, onde elas vivem em comunidades, envoltas em substâncias que as protegem de agressões externas, como fatores imunológicos do hospedeiro ou antibióticos (quando colonizam in vivo), ou ainda substâncias desinfetantes, quando as bactérias recobrem superfícies abióticas. Também durante a pandemia foi observada a ampliação da resistência a antibióticos, consequência do uso indiscriminado de antimicrobianos, como a Azitromicina, erroneamente utilizada para o tratamento de COVID-19.
Dentre as patologias relacionadas às bactérias do grupo ESKAPE, destacam-se infecções urinárias, pneumonia, infecções na corrente sanguínea, entre outros. Em pacientes vulneráveis, principalmente idosos e bebês prematuros, as taxas de mortalidade e a severidade das doenças são agravadas. Assim, fica evidente que a multirresistência a antibióticos é um grande problema de saúde pública, que está bem distante de solução. Contudo, podemos contribuir sendo responsáveis, evitando o uso de antimicrobianos sem prescrição médica, espalhando notícias verídicas sobre as bactérias multirresistentes e fazendo escolhas políticas que assumam seu compromisso com a educação, o meio ambiente e a ciência.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Freepik
Figura 1: OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde). Disponível em: https://www.paho.org/pt/juntos-combater-resistencia-antimicrobianos/materiais-comunicacao-saude-humana#rs
ANVISA. Plano nacional para prevenção e controle da resistência aos antimicrobianos em serviços de saúde – ANVISA 2023-2027. Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde, Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde, Terceira Diretoria, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/servicosdesaude/prevencao-e-controle-de-infeccao-e-resistencia-microbiana/pnpciras-e-pan-servicos-de-saude/pan-servicos-de-saude-2023-2027-final-15-12-2023.pdf. Acesso em: 17 jul. 2024.
BBC NEWS BRASIL. Uso desenfreado de antibióticos na pandemia pode levar a ‘apagão’ contra bactérias resistentes. 17, out de 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54532598. Acesso em: 16 jul. 2024.
BRIGAGÃO, Larissa; Arêas, Ana Paula Mattos. (2022) Klebsiella pneumoniae Infections: A Future Threat to Global Health? Am J Biomed Sci & Res, 16(5): 551-554. DOI: 10.34297/AJBSR.2022.16.002273
MADIGAN, Michael, T. et al. Microbiologia de Brock. Disponível em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo A, 2016.
OPAS. Trabalhando juntos para combater a resistência aos antimicrobianos. Organização Mundial de Saúde – Região das Américas. Disponível no link: https://www.paho.org/pt/juntos-combater-resistencia-antimicrobianos. Acesso em 17 jul. 2024.
RICE LB (2008) Federal funding for the study of antimicrobial resistance in nosocomial pathogens: No ESKAPE, J. Infect. Dis., 197, 1079–1081. DOI: 10.1086/533452
SANTOS Zonta, Franciele do Nascimento, Roque, Márcia da Silva, Soares da Silva, Ruan Gabriel, Ritter, Amanda Gabrieli, & Jacobsen, Fernanda Tondello. (2020). Colonization by ESKAPES and clinical characteristics of critically ill patients. Global Illness, 19(59), 214-254
SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo; Alves, Marcos Maurício Reis; Lara, Márcio Antônio Gaspar; Gomes, Andreia Patrícia; Gazíneo, Jorge Luiz Dutra; Braga, Luciene Muniz. (2023) Penicillins: update for clinical practice. Rev Med Minas Gerais 2023; 33: e-33209. DOI: 10.5935/2238-3182.2023e33209-em
Para saber mais:
FIOCRUZ – In vivo – museu da vida: https://www.invivo.fiocruz.br/saude/superbacterias/