#acessibilidade: A imagem é uma ilustração de uma pilha no meio de outras, destacada pela cor verde e o símbolo de reciclagem.
Texto pelo colaborador Artur F. Keppler
Em meados do século passado Phillip Dick escreveu “Andróides sonham com ovelhas elétricas?”, um livro que serviu de inspiração para o filme Blade Runner. Não vou dar spoilers sobre nenhum dos dois, pois recomendo a apreciação das obras, porém a perseguição e a aposentadoria (assassinato) de andróides rebelados é a linha mestre de ambos. Esta temática será o Elon, ops, o Elo para discutir tecnologia dos carros elétricos e seu impacto ambiental.
Comecemos pela onda de ataques aos carros e lojas da Tesla, que estão acontecendo em diversos países.[1] O objetivo dessas ações não é atingir os hippies-liberais-yogis-neo-modernos, proprietários de tais veículos, mas sim o poderio dado ao bilionário, ultradireitista e avesso às minorias, aniquilador de direitos civis/humanos, dentre tantos outros “adjetivos”; Elon Musk.[2] Assim como os caçadores de andróides das obras citadas, temos uma parte da população que vê nos ataques físicos aos engenhos altamente tecnológicos da empresa, uma forma de protestar e lutar contra um sistema opressivo que está em curso em diversas nações.[3]
Vou usar o modelo mais emblemático da Tesla, a marmita lustrosa sobre rodas, o Cybertruck, para começar a traçar um paralelo entre realidade e ficção. A tecnologia embarcada nesses veículos é real, impressionante e serve, na minha opinião, como um distrator para a crua realidade: os Cybertrucks são carros a bateria e não carros elétricos.[4] Sendo mais direto, tais veículos são análogos aos carrinhos de controle remoto, uma vez que a atividade-fim de ambos é empregar a energia elétrica acumulada em baterias para o deslocamento da carroceria, que está apoiada em rodas.
Se, após o ciclo de vida chegar ao fim, as pilhas AA devem ser descartadas em locais apropriados, devemos usar o mesmo raciocínio para as baterias desses carros. Vou apresentar alguns dados sobre essas grandes baterias, usando os dados da própria Tesla:[5] segundo a marca, depois do seu ciclo de vida, 92% dos minerais das baterias usadas são recuperados pela empresa.[6] Vou um pouco além na crença cega aos dados, pois segundo Elons, essas baterias tem de 22 à 37 anos de vida útil 1500 ciclos de recarga),[7] no entanto, têm 8 anos de garantia de fábrica.[8]
Chego ao ponto crucial da discussão em torno do impacto ambiental desses carros: a tal recuperação dos minerais ainda não está acontecendo em escala massiva e dessa maneira, para produção de mais e mais carros, tais recursos minerais estão sendo extraídos de algum lugar, certo? De onde?
Mineração, amigos. Mineração.
Carros elétricos contra o aquecimento global – uma falácia
Para que esses carros rodem, eles precisam de bateria[9] e as de íon-Lítio são aquelas embarcadas em grande parte da frota desses veículos. Para fabricá-las, é preciso obter o tal Lítio (além dos outros íons metálicos; como cobre, níquel, cobalto, ferro). E onde ele está? Na crosta terrestre, misturado com outros minerais e materiais complexos, debaixo de ecossistemas com inúmeros seres sencientes e de lugares de afeto de inúmeras comunidades de seres humanos, que usam essa terra litiada como moradia e fonte de sustento.[10]
Diferentemente do ouro, que tem uma demanda “controlada” por diversos mecanismos, a demanda por lítio é nova e cresceu absurdamente nos últimos anos,[11] pois não é só a Tesla que produz carros à bateria. No Brasil, particularmente, está acontecendo uma corrida ao Lítio, o novo ouro do momento. Além do estrago ambiental, causado por políticas públicas enviesadas em prol de mineradoras, cidadãos brasileiros que moram em regiões alvo, estão sendo expulsos de suas terras.[12] Grandes empresas implodem o ecossistema local, a vida das pessoas e depois, deixam para trás barragens com dejetos que um dia, podem romper e devastar grandes áreas vizinhas. Lembremos da lama que assolou Brumadinho e Mariana. É importante deixar claro, EM TODAS AS OCASIÕES, que não foi um desastre ambiental, foi um CRIME ambiental.[13] Esses crimes absurdos sempre aconteceram em países-colônia, como o Brasil. Hoje, porém, diferentemente das igrejas adornadas com nosso ouro, os nossos minerais são usados para produzir baterias que acumulam energia, para bens de consumo que são rotulados como veículos “ecologicamente corretos”.
Assim como a indústria petrolífera, também nada limpa, a extração dos minerais é a primeira etapa. Daí em diante, dependendo da pureza e da fonte do Lítio (minerais ou salmoura), existem inúmeros processos para o isolamento do sal de Lítio desejado. Seja o beneficiamento por flotação, calcinação, extração química, bombeamento e evaporação, precipitação e purificação; todos eles usam descomunais quantidades de água e de energia, gerando uma pegada ambiental de que poucos falam. Alguns defensores dos carros à bateria podem dizer que o impacto ambiental da mineração de Lítio não é tão ruim como o da indústria petrolífera. Pode ser, mas a energia que alimenta a cadeia de isolamento de sais de Lítio, usada em bombas de transferência de líquidos, fornos de calcinação, fornos de aquecimento de líquidos e claro, caminhões de transporte de minerais e produtos químicos… tudo isso é substancialmente movido por combustíveis fósseis.
Portanto, a “lama” que recobre a espalhafatosa carroceria dos Cybertrucks, já vem de fábrica e não pode ser eliminada com água e produtos de limpeza. Só com lavagem cerebral de muito marketing.
Na próxima parte falaremos da tal energia elétrica que alimenta essas baterias. Será que ela é tão limpa?
Referências e comentários:
[3] Se a ideia geral deste parágrafo fosse usada como inspiração, ela poderia ser usada como base do roteiro de Blade Runner 2. Nessa sequência, ao invés de andróides, carros autônomos rebeldes são os alvos das caçadas. Olha aí Netflix, que tal?
[4] Não só os Cybertrucks e outros carros da Tesla; não há mercado nenhum veículo que seja realmente elétrico.
[5] Apesar de não ser cientificamente preciso, pois existe conflito de interesse ao se usar dados de empresa para avaliá-la, achei mais prático usar apenas uma referência do que várias fontes de informações para embasar minha discussão sobre esse tema. O que quero dizer é que o foco aqui não é discutir a durabilidade de tais baterias e sim o impacto ambiental delas.
[6] Lindo se isso realmente fosse verdade, pois não acredito em processos industriais com essa faixa de eficiência. De qualquer maneira, aqui está a referência. https://www.tesla.com/support/sustainability-recycling#:~:text=on%20the%20road.-,What%20happens%20to%20Tesla%20battery%20packs%20once%20they%20reach%20their,pack%20needs%20attention%2C%20contact%20us.
[7] https://x.com/elonmusk/status/1117099861273219073
[8] https://www.tesla.com/ns_videos/2021-tesla-impact-report.pdf
[9] Além dessa pilha, existem outras tantas e o funcionamento das pilhas já foi brilhantemente discutido aqui no nosso guia. Para saber mais sobre pilhas e metais, dê uma olhadinha aqui:
Se existe pilha alcalina, existe pilha ácida também?
Pilhas de primeira e segunda geração
Goodenough, o explorador: do magnetismo às baterias
Ouro, prata e bronze: Metais, Olimpíadas e Sustentabilidade
[10] Por conta da alta demanda, no Brasil, além das minas de extração já em processo de exploração, outras estão sendo prospectadas.
[11] https://natural-resources.canada.ca/minerals-mining/mining-data-statistics-analysis/minerals-metals-facts/lithium-facts#:~:text=World%20mine%20production%20of%20lithium%2C%202014%E2%80%932023%20(p)&text=This%20bar%20graph%20illustrates%20global,increasing%2023%25%20to%20180%2C000%20tonnes.
Outros divulgadores: