A Física do Frisbee (V.5, N.11, P.1, 2022)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade: Pessoa arremessando um frisbee próximo à ponte de Mackinac, Michigan, Estados Unidos.

Alguma vez você já se perguntou como um frisbee pode voar tão longe? Frisbee é um objeto em formato de disco, geralmente feito de plástico, que quando lançado em rotação pode alcançar grandes distâncias. Estes objetos são utilizados pelas pessoas para diversão em parques e praias e como equipamento principal em várias modalidades desportivas [1]. Antes de tentarmos responder a pergunta, vamos ver um pouco da história de como surgiu esse disco de plástico voador.

De acordo com a teoria popular do surgimento dos frisbees [2-4], William Russel Frisbie adquiriu, em 1871, uma fábrica de tortas próximo a um colégio que mais tarde viria a se tornar a Universidade de Yale, em Connecticut, Estados Unidos. Os estudantes, que eram assíduos consumidores das tortas do senhor Frisbie, descobriram que se os pratos vazios das tortas fossem virados de cabeça para baixo e arremessados, poderiam alcançar longas distâncias. Tal atividade se popularizou entre os estudantes que passaram a chamar os pratinhos de “frisbies”. Porém, essa atividade continuou como uma simples brincadeira entre estudantes até 1948, quando Frederick Morrison, um entusiasta arremessador de pratinhos de torta, decidiu utilizar-se das modernas e recentes tecnologias de plástico desenvolvidas no pós-guerra, para desenhar e produzir um protótipo de disco de plástico voador. Dez anos mais tarde, Morrison vendeu sua ideia para a empresa Wham-O [5], uma grande fabricante de brinquedos nos Estados Unidos, que passou a fabricar os discos em larga escala e cunhou o nome frisbee, uma marca que até hoje é sinônimo de discos de plástico voadores.

Mas voltando a nossa pergunta original. O funcionamento do frisbee é devido a dois conceitos físicos principais: sustentação aerodinâmica e estabilidade giroscópica. A aerodinâmica é um subcampo da mecânica dos fluidos e está relacionada com uma série de fenômenos físicos do nosso dia a dia. A aerodinâmica envolve, basicamente, o estudo do movimento de um fluido (gás ou líquido) e sua interação com um objeto sólido. Ao se arremessar um frisbee, surgem duas forças aerodinâmicas principais, uma força de sustentação e uma força de arrasto. A força de arrasto é a força que faz resistência ao movimento de um objeto sólido através de um fluido, em outras palavras, é o que freia o disco e faz com que o movimento em algum momento cesse e o disco caia. Já a força de sustentação, como o nome já sugere, é a força que mantém o frisbee no ar. Do ponto de vista da aerodinâmica, o frisbee é como uma asa de avião ou um aerofólio. O que ocorre é que o lado de cima do objeto é ligeiramente convexo, enquanto que sua base é plana. Ao ser lançado, o ar flui por cima e por baixo do frisbee e devido ao conceito físico da conservação do fluxo, o ar passando por cima precisa escoar com maior velocidade (no referencial do disco) comparado ao ar passando pela parte de baixo do disco. Repare que isso ocorre devido a convexidade da parte superior, ou seja, o ar precisa percorrer uma distância maior por cima do que por baixo, no mesmo intervalo de tempo, de forma a manter o fluxo constante. É aí que a força de sustentação aparece. O princípio de Bernoulli estabelece que para o escoamento de um fluido, há uma relação entre a velocidade, a pressão e a altura em diferentes posições da mesma linha de fluxo. De maneira geral, o que importa aqui para nós é que, quanto maior for a velocidade de escoamento de um fluido, menor a pressão naquela região. Assim, surge uma região de menor pressão na parte superior comparada à região abaixo do disco. Pressão é definida como força por unidade de área. Portanto, o surgimento de uma diferença de pressão resulta no aparecimento de uma força (de sustentação), aplicada de baixo para cima que é responsável por prolongar o voo.

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#acessibilidade: figura ilustrativa de um disco frisbee vermelho envolto por estreitas faixas azuis representando o fluxo de ar.

Repare que a força de sustentação surge devido ao escoamento do ar sobre e sob o frisbee e, portanto, se arremessarmos o disco sem rotação, ele deveria voar para longe similar a um aviãozinho de papel. Porém, nossa experiência nos diz que isso não é verdade e ao lançarmos o disco sem rotação, ele simplesmente irá rotacionar em torno de um eixo paralelo ao plano do frisbee (eixo 2) e atingir rapidamente o solo. O disco “capota” no ar e cai. O que ocorre é que a posição onde a força de sustentação é aplicada não se localiza no centro do disco ou centro de massa (CM na figura). Existem vários fatores que influenciam onde irá surgir essa força, como a maneira na qual o frisbee é lançado (ângulo de ataque), velocidade do arremesso, efeitos de turbulência, etc. A força de sustentação pode ser aplicada mais próxima a borda “dianteira” ou da borda “traseira” do disco, tomando como referência a direção do voo. Vamos supor que a força de sustentação esteja aplicada mais próxima a borda traseira, como na figura acima. Esta força irá aplicar um torque no frisbee, rotacionado-o em torno do eixo 2 e fazendo-o mergulhar em direção ao solo. E é aqui que o segundo conceito físico entra, a estabilidade giroscópica.

Para simplificar, vamos tomar um exemplo mais familiar, o pião. Se apoiamos a ponta de um pião em uma superfície plana e soltarmos sem rotação, o pião simplesmente tomba para o lado e cai. A força gravitacional aplica um torque que tomba o pião. Sabemos que para mantê-lo “em pé”, precisamos colocar o pião rotacionando em torno do seu eixo principal de simetria, ou seja, em torno de si mesmo. Vamos chamar esse movimento de spin. Quando um objeto rotaciona, ele adquire uma propriedade chamada momento angular, que depende de como a massa do objeto está distribuída ao redor do eixo de rotação e da velocidade que cada pedacinho do objeto rotaciona em torno deste mesmo eixo. Repare que o pião possui momento angular (de spin) e que a força gravitacional aplica um torque (vale ressaltar que ambas são grandezas vetoriais). A 2ª Lei de Newton (sempre ela) estabelece uma relação entre essas duas grandezas. Não vamos entrar nos detalhes matemáticos aqui, mas o resultado final é que com movimento de spin, o pião não tomba imediatamente para o lado, mas sofre um processo de precessão em torno da direção vertical, a tal da estabilidade giroscópica! Para reforçar, perceba que o pião continua rotacionando em torno do seu eixo principal (spin), mas passa também a rotacionar em torno de um eixo vertical, perpendicular à superfície. Esse segundo movimento de rotação que é a precessão.

Assim, nosso frisbee não é somente um aerofólio, mas também um pião ou mais precisamente, um giroscópio. Ao lançarmos um frisbee, aplicamos movimento de spin. Suponha que do ponto de vista do arremessador e olhando por cima do disco, a rotação seja em sentido horário. O vetor momento angular é na direção do eixo 1 (observe a figura anterior) e aponta para baixo. Supondo ainda que a força de sustentação seja aplicada na parte traseira do disco, o vetor torque desta força é na direção do eixo 2 e aponta para a esquerda do ponto de vista da direção de voo. Citando o professor Moysés Nussenzveig em seu livro Curso de Física Básica [6]: “Podemos dizer que o vetor momento angular persegue o vetor torque, procurando alinhar-se com ele, mas o vetor torque mantém-se sempre perpendicular ao momento angular, de modo que nunca é alcançado”. Na prática, para a situação descrita anteriormente, o frisbee irá inclinar-se e fazer uma curva para a direita. Caso a rotação seja aplicada no sentido oposto, ou seja, anti-horária, a curva será para a esquerda. Além disso, a posição onde a força de sustentação é aplicada também influencia se o disco curva para um lado ou para o outro. Mas, assim como o pião, a estabilidade giroscópica garante um voo mais longo, por mais tempo e com maior estabilidade.

Aqui vemos uma característica fundamental de todo frisbee, ele sempre fará uma curva, seja para um lado, seja para o outro. Os praticantes, portanto, precisam aprender a lidar com esse efeito, o que de certa maneira aumenta a diversão, permitindo inclusive que o frisbee possa ser pego pela própria pessoa que o arremessa, algo como um bumerangue.  Engenheiros aerodinâmicos ainda não encontraram uma maneira de eliminar essa tendência natural dos discos de curvarem sua trajetória. Uma evolução tecnológica do bom e velho frisbee é o chamado aro soft, que como o nome sugere, não é um disco mas um aro. Apesar do efeito de curvamento da trajetória ocorrer também com os aros, estes, de fato, são capazes de alcançar distâncias de voo ainda mais longas que os frisbees. Assim, seja a sua escolha um frisbee ou um aro soft, o importante é praticar e se divertir com os amigos e caso seu arremesso não seja tão bom, pelo menos agora você pode justificar que não está fornecendo momento angular suficiente no seu arremesso.

Agradecimento: o autor agradece ao professor Julián Munévar por ter trazido a discussão sobre a “física do frisbee” para as aulas da disciplina Física do Contínuo do curso de bacharelado em Física da UFABC.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Commons Wikimedia 

[1] Site da Federação Paulista de Disco

[2] Macé Schuurmans, “Flight of the Frisbee”, New Scientist (1990)

[3] Eugene Motoyama, “The Physics of Flying Discs” (2002)

[4] V. R. Morrison, “The Physics of Frisbees” (2005)

[5] WHAM-O

[6] H. Moysés Nussenzveig, “Curso de Física Básica 1”, 5ª edição, página 329 (2013).

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