Onde a química encontra o futuro: as redes “invisíveis” das MOFs (V.8, N.11, P.6, 2025)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade: A imagem é uma ilustração da Estrutura da MOF-5 com um Nobel ao seu lado, num fundo branco.

Texto escrito pelos colaboradores Paola Caroline de Oliveira, Leonardo Carneiro, Gustavo Félix Bittencourt

Nunca ouviu falar em MOFs e está por fora do Nobel de Química de 2025? Tudo bem, a gente te atualiza. Pra começar, Metal-Organic Frameworks, no bom português, significa REDES METALORGÂNICAS. São materiais que receberam esse nome por serem híbridos entre um metal e uma estrutura orgânica, geralmente um ácido dicarboxílico. Apresentam estrutura variada, baixa densidade, alta porosidade e uma área que pode cobrir um campo de futebol INTEIRO, ou mais.

A preparação de uma MOF foi realizada pela primeira vez por Millward e Yaghi no fim dos anos 90, usando ideias da química de coordenação usando carboxilatos metálicos. O professor Omar Yaghi, foi um dos vencedores do Prêmio Nobel de Química de 2025 (Figura 1):

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Figura 1 – Prof Omar Yaghi, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Química pela criação de MOFs. Fonte: Berkeley University

As MOF’s são estruturas tridimensionais feitas de “nós metálicos” conectados por “bastões orgânicos” (Figura 2). Esse arranjo em rede cria pequenos poros que permitem que gases e moléculas pequenas “entrem” no material e sejam retidos, como uma esponja molecular; servindo para retirar essas moléculas de um meio reacional ou da atmosfera poluída. De acordo com condições reacionais e composição química, os MOF’s podem liberar as moléculas retidas na etapa anterior, ou retê-las por um longo período. E está nessa versatilidade os muitos usos práticos possíveis para as MOFs e alguns, especialmente importantes para um futuro mais equilibrado do ponto de vista climático. MOFs podem ser utilizadas para separação seletiva de gases, para filtração e purificação, para catálise de reações químicas, para entrega de drogas em sistemas biológicos, como sensores e também para captura e armazenamento de gases, como gás carbônico, por exemplo. 

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Figura 2 – Estrutura da MOF-5 (C, preto; Zn, azul; O, vermelho)

Na década de 1990, Omar Yaghi e colaboradores sintetizaram a primeira MOF reconhecida na literatura, a MOF-5 (também conhecida como Zn4O(BDC)3). Nessa estrutura, quatro átomos de zinco e um oxigênio formam um nó metálico que é conectado por ligantes orgânicos do tipo BDC (ácido tereftálico, benzeno -1,4-dicarboxilato). Esta MOF era usada para armazenamento de hidrogênio (H2), sendo vista como uma das melhores candidatas para tanques de hidrogênio em tecnologias de energia limpa. Atualmente, também começou a ser testada para adsorção (processo no qual a molécula fica aderida a uma superfície, diferente da absorção, em que a molécula penetra um material) de metano (CH4) e gás carbônico (CO2).

Aqui na UFABC também temos trabalhos sendo desenvolvidos usando MOFs para converter alcanos e CO2 no Grupo de Catálise e Síntese Orgânica (GCaSo), coordenado pelo Professor Dalmo Mandelli. As MOFs têm se mostrado aliadas promissoras na busca por soluções sustentáveis para o excesso de CO2 na atmosfera. Esses materiais porosos podem ser usados como “esponjas” moleculares para capturar e transformar CO2 em outros compostos, como álcoois e aldeídos, que podem servir de base para combustíveis e insumos químicos. Um dos estudos da UFABC utiliza UiO-66(Zr) que ao incorporar metais ativos, pode catalisar reações que convertem CO2 e etileno em 1-propanol, um combustível líquido renovável. Essa linha de pesquisa, desenvolvida em colaboração com o Instituto Nacional de Tecnologia mostra como a química pode transformar um dos maiores desafios ambientais da atualidade em uma fonte de inovação e energia limpa.

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Figura 3 – Uso da UiO-66 para obtenção de produtos orgânicos

Outros projetos do grupo, em colaboração com a Universidade Federal Fluminense e a Universidade de Caen, visam transformar CO2 e CH4 em produtos úteis e sustentáveis. Por exemplo, em um deles, uma MOF à base de ferro foi projetada para converter furfural, um composto derivado da biomassa vegetal, em 2-metilfurano, um precursor importante para a produção de biocombustíveis de aviação. O material apresentou quase 100% de eficiência e excelente estabilidade, demonstrando que os MOFs podem oferecer rotas limpas e econômicas para transformar resíduos agrícolas em fontes renováveis de energia (Figura 4). Em outro, foi sintetizado um material bimetálico de ferro e gálio, também do tipo MOF, capaz de oxidar o CH4 a aldeídos e álcoois. O processo ocorre a apenas 40 °C, o que representa um avanço significativo em relação aos métodos convencionais, que exigem temperaturas muito mais elevadas e geram grandes quantidades de CO₂ (Figura 5).

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Figura 4 – Obtenção de biocombustíveis de aviação usando MOF como catalisador
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Figura 5 – MOF de Fe e Ga para oxidação de metano

A vasta possibilidade de combinações entre ligantes orgânicos e íons metálicos é uma das grandes vantagens na área dos MOFs e atualmente modelos de aprendizado de máquina podem ser utilizados para predição dos melhores componentes de um MOF para uma aplicação industrial específica.        

As Metal–Organic Frameworks (MOFs) representam uma das fronteiras mais promissoras da química moderna. Combinando a precisão da engenharia molecular e a criatividade da ciência dos materiais, essas estruturas mostram que é possível desenhar soluções sob medida para desafios globais — desde o aproveitamento de CO2 até o armazenamento de energia e a purificação do ar e da água. Muito mais do que simples materiais, os MOFs simbolizam uma nova forma de pensar a química: como ferramenta para transformar resíduos, reaproveitar recursos e redesenhar o futuro com sustentabilidade. Esses materiais porosos, criados em laboratório, mas inspirados na engenhosidade da natureza, mostram que o futuro sustentável pode caber dentro de estruturas tão pequenas quanto um cristal — e tão poderosas quanto a imaginação humana.

Fontes:

https://pubs.acs.org/doi/full/10.1021/acsmaterialsau.5c00045

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/aoc.70308

https://chemistry.berkeley.edu/news/omar-yaghi-wins-prestigious-tang-prize

https://saocarlos.usp.br/m-12-04-2024-sinteses-de-redes-metalorganicas-mofs-de-cobalto-e-acido-tereftalico-reciclado-de-garrafas-pet/

https://www.theguardian.com/science/2025/oct/08/nobel-prize-in-chemistry-awarded-to-scientists-for-work-on-porous-materials

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