Existe cura para o autismo? (V.2, N.7, P.3, 2019)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade A fita dobrada em formato da letra L minúscula feita de peças de quebra-cabeça coloridas, representando o mistério e a complexidade do autismo.

Texto escrito em colaboração com Felipe Cesar Torres Antonio

A internet é, se mal usada, um celeiro de desinformação. Fake News sobre ciência estão cada vez mais comuns. Esse problema se torna mais grave quando ligado diretamente à saúde da população. Nos últimos meses ressurgiu uma conhecida “cura milagrosa” para transtornos do autismo por meio de uma substância, o MMS (sigla em inglês para substância milagrosa), também conhecido como CDS, e que seria um suposto remédio para o autismo. Mas afinal, o que é autismo? Ele tem cura? O que é esse tal MMS?

Em meados dos anos 1940, um estudo de caso citando o autismo foi apresentado, pela primeira vez, em um artigo científico. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma síndrome comportamental que tem seu diagnóstico realizado a partir da observação e análise de alguns critérios, que são: déficits na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de movimentos e/ou atividades de interesse. Se uma criança não se interessa em brincar com outras, não responde quando chamada pelo nome, não utiliza objetos de forma funcional (ao invés de brincar com um carrinho, apenas gira suas rodas, por exemplo), tem movimentos repetitivos como balançar as mãos e/ou o corpo constantemente, pode estar dentro do espectro. 

Ainda não existe um exame laboratorial que detecte alterações neurológicas indicando autismo. O diagnóstico é clínico, realizado através de entrevistas com pais, histórico e observação da criança; é importante que a família busque um profissional da área ao perceber qualquer alteração no comportamento ou desenvolvimento da mesma. Quanto antes inicia-se uma intervenção, melhor é o prognóstico. 

Muitos profissionais da saúde, infelizmente, ainda não estão preparados para identificar os sinais do autismo, por isso é de extrema importância que a família também fique atenta e não espere por uma evolução espontânea, nem acredite na premissa de que cada um tem seu tempo. Muitas vezes essa demora acaba por diminuir as chances de sucesso de evolução daquela criança.

É preciso entender que, por se tratar de um espectro, há muitas diferenças entre as pessoas com TEA. Algumas necessitam de um suporte maior para suas atividades do dia a dia, enquanto outras são totalmente independentes, não fazendo-se notar a presença do autismo.

Também é importante salientar que o autismo não é uma doença, sendo assim, não existe uma cura. O que se consegue obter são melhoras significativas nos déficits, por meio de terapias multiprofissionais com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, entre outros. Além disso, os pais e profissionais precisam ser orientados por essa equipe para lidarem de forma padronizada e consistente com quaisquer que sejam as dificuldades daquela criança. 

Nunca é fácil para a família receber um diagnóstico, mas é preciso que os pais saibam que as evoluções dependem, também, do comprometimento deles com seus filhos. É possível viver com o autismo!

campanha - Existe cura para o autismo? (V.2, N.7, P.3, 2019)
Fonte da imagem: Internet.
#acessibilidade Imagem comumente usada em campanha de conscientização. Duas crianças, um menino e uma menina, feitas de peças de quebra-cabeça coloridas estão de braços abertos com a frase “nascemos para sermos incríveis, não perfeitos” entre eles, com a palavra “incríveis” destacada.

MMS: quanto a composição química e os riscos à vida

Quando Jim Hamble afirmou, ainda nos anos 90, ter descoberto uma fórmula milagrosa para curar doenças como o câncer e o HIV, houve alguma repercussão e investigação sobre o composto MMS. Entretanto, com a composição química baseada em ácido cítrico e sais derivados de clorito, o único sucesso real recairia sobre o branqueamento de tecidos e compostos a base de madeira.

Aos seres humanos ele é tóxico em qualquer formato de sua administração (oral, retal, etc). A consequência do seu uso pode levar a esofagite, gastrites, úlceras, morte de bactérias benéficas que compõem a flora intestinal, insuficiência renal, irritação, convulsões e, em casos mais graves, paradas cardiorrespiratórias e morte.

Isso se deve pelo consumo do cloro que se apresenta na forma de dióxido de cloro, uma substância oxidante, altamente reativa e que causa diversos danos à saúde de pessoas que a ela são expostas.

diagrama de hommel 300x300 - Existe cura para o autismo? (V.2, N.7, P.3, 2019)
Fonte da imagem: Blog mCientífica.

Podemos usar esta oportunidade para apresentar o Diagrama de Hommel na imagem ao lado, também conhecido como diamante do perigo ou diamante de risco. Este, que foi muito comum na indústria, ainda pode ser encontrado em frascos de reagentes químicos e laboratórios, é utilizado com 4 divisões, sendo 3 delas que medem o fator de risco em uma escala de 0 a 4 para a saúde (azul), inflamabilidade (vermelho) e reatividade (amarelo). A quarta parte, a parte branca, tem o papel de descrever o potencial risco à vida, como radioativo, corrosivo, oxidante, entre outros.

#acessibilidade Losango dividido em quatro losangos menores. O losango superior é vermelho e traz a palavra “Inflamabilidade” escrita em branco, com a legenda ao lado apresentando as diferentes escalas: Risco de fogo, (ponto de fulgor) 4 – abaixo de 22°C, 3 – abaixo de 38°C, 2 – abaixo de 94°C, 1 acima de 94°C e 0 – não inflamável. No losango da esquerda, azul, está escrito “Riscos à Saúde” em branco, com a legenda ao lado: Risco de vida, 4 – Mortal, 3 – Extremamente perigoso, 2 – Perigoso, 1 – Pequeno risco e 0 – Material normal. No losango da direita, amarelo, está escrito “Reatividade” em preto, com a legenda abaixo: Reação, 4 – Pode detonar, 3 – Choque e calor podem detonar, 2 – Reação química violenta, 1 – Instável quando aquecido e 0 – Estável. No losango inferior, branco, está escrito “Riscos Específicos” em preto, com a legenda ao lado: Risco de vida, Oxidante – OXX, Ácido – ACID, Alcalis – ALK, Corrosivo – CRO, Não use água – W e Radioativo – símbolo da radioatividade.

diagrama - Existe cura para o autismo? (V.2, N.7, P.3, 2019)

No caso específico desta substância, o nível de risco à saúde é extremo, além de apresentar alta reatividade e ter um caráter altamente oxidante.

#acessibilidade Diagrama de Hommel para o MMS. Escala zero em vermelho, 4 em amarelo, 3 em azul e OX em branco, indicando que não é inflamável, mas é oxidante, pode detonar e é extremamente perigosa à vida humana.

Assim, a possibilidade de colocar um composto com alto potencial de promover diversos males e de risco quimicamente conhecido, seja no próprio organismo ou no de outrem, não só não é uma escolha inteligente como pode ter implicações legais seríssimas.

Cabe lembrar antes de mais nada que divulgar possíveis benefícios à saúde deste composto é uma Fake News e que é crime Previsto no Marco Civil da Internet previsto na lei 12.965 de 2014 (apesar de não ser o caso, podemos diferenciar do crime de difamação que ocorre quando a mentira causa dano a alguém infringindo assim o artigo 138 do código penal e se a Fake News for em período eleitoral contra algum candidato, infringe a lei específica 12.891 de 2013 aumentando a pena).

Sendo esta Fake News usada para promover a utilização de uma substância tóxica ainda atenta contra o artigo 5 da Constituição que diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” Já se a maldade atentar contra a saúde ou a dignidade da pessoa deficiente, a lei 13.146 de 2015 que determina que “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante […] são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.” E se for contra uma criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda prevê ação civil e criminal contra os pais podendo resultar na perda da guarda das crianças.

Quando surgiu pela primeira vez, graças ao rápido combate, a sua divulgação como solução para tratar diversas doenças ficou praticamente desaparecida, o que levou parte da comunidade científica e médica a acreditar que poderia ser o fim desta Fake News que traz tantos males à saúde e à vida.

Entretanto, recentemente voltou-se a veicular o MMS como possível saída principalmente para a cura de sintomas do autismo. Desde então a Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem condenado e combatido qualquer forma de divulgação de possíveis benefícios e propagandas de sua venda. Fake News faz muito mal para a sociedade e em casos como este pode até matar! Não repasse e combata o quanto puder. Lembre-se também do seu papel na sociedade que é de ajudar a quem você puder com mais informações do que levando possíveis curas milagrosas. Como já foi dito, MMS não é a cura nem para o autismo nem para nada e nunca surgirá uma cura para o autismo. O preconceito sim, este tem cura! Mas não há cura para o que não é doença!

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Francisco Paiva Junior [Public domain], via Wikimedia Commons

Para saber mais:

http://www.blog.mcientifica.com.br/diagrama-de-hommel/

https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Saude/noticia/2019/05/mms-substancia-que-promete-curar-autismo-volta-preocupar-especialistas.html

http://periodicos.ufersa.edu.br/revistas/index.php/includere

https://youtu.be/X6YpvgbM-xo

Outros divulgadores:

Vídeo do canal Nunca vi 1 cientista no YouTube sobre o MMS

Vídeo do canal Minutos Psíquicos no YouTube sobre Autismo

Texto da Revista Questão de Ciência sobre o MMS

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