E se usarmos lasers para combater bactérias multirresistentes? (V.5, N.1, P.1, 2022)

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Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade Se observam seis micro-organismos de forma alongada, com filamentos em volta, de cor verde. O fundo é azul escuro na parte inferior da foto e vai mudando para cor verde intenso na parte superior. Há duas linhas pretas que atravessam a imagem de cima para baixo.

Vemos com cada vez mais frequência artigos falando do aumento crescente – e muito preocupante – da resistência de bactérias ao tratamento com antibióticos, nossa principal ferramenta para combatê-las. Este problema, que é uma ameaça global, não é de conhecimento recente, pois o próprio Alexander Fleming, que descobriu a penicilina em 1928 já tinha feito o alerta ao receber o prêmio Nobel de Medicina em 1945, sendo que o primeiro caso de resistência à penicilina foi observado em 1947. Mais recentemente, em 2016, a OMS estimou que até 2050, se nada for feito, as superbactérias resistentes virariam a primeira causa de morte global, atingindo aproximadamente 10 milhões de mortes. Devido ao amplo acesso associado ao uso desnecessário ou a tratamentos incompletos com estes fármacos, além do crescimento natural de novas bactérias, o número de organismos super-resistentes tem aumentado consideravelmente. Outro aspecto que é importante é o fato de os antibióticos novos serem variações de famílias de antibióticos já existentes.

Mas quais as alternativas para contornar esta ameaça? O uso dos chamados métodos físicos para tratar infecções superficiais e, em alguns casos, infecções no sangue, incluem alguns tipos de luz (ultravioleta, raios x) ou aplicação de calor. Entretanto, a grande desvantagem destas estratégias é que podem danificar nossos tecidos fazendo com que sejam pouco atraentes. E com razão!

Recentemente, resultados de um estudo publicados no Journal of Biophotonics mostraram uma alternativa promissora que emprega uma tecnologia conhecida como laser de pulsos ultracurtos, que permite irradiar luz em forma de pulsos tão curtos que chegam na ordem de até 5 femtossegundos (10-15 s, um quadrilionésimo de segundo!). Os pesquisadores aplicaram pulsos ultracurtos de luz em diferentes tipos de bactérias multirresistentes (Staphylococcus aureus, E. coli e Bacillus cereus) e observaram porcentagens de eficiência >99% . E o mais interessante é que as células dos tecidos humanos não são danificadas sob as condições de irradiação com o laser.

Mas como age a luz nestes microrganismos ao ponto de chegar a inativá-los? Que acontece em escalas onde o olho humano não consegue enxergar? Bem, patógenos como vírus, bactérias e fungos contém proteínas muito bem empacotadas, que permanecem estáveis graças a diferentes tipos de interações como ligações químicas (entre átomos dentro de uma molécula) ou interações intermoleculares (atrações ou repulsões entre moléculas). Além disso, sua função biológica é altamente dependente da estrutura das proteínas, inclusive da sua configuração 3D. Quando a luz pulsada incide nestes materiais biológicos, fornece uma quantidade de energia capaz de perturbar essas interações, estimulando um tipo de vibração de baixa frequência, através de um processo conhecido como espalhamento Raman estimulado por pulsos.

Para entender melhor, podemos imaginar que, em ausência de qualquer tratamento, tais interações têm uma certa energia associada para permanecerem estáveis. Quando o laser é aplicado, se a energia transferida for grande o suficiente, interações mais fracas, como as chamadas ligações de hidrogênio, podem ser rompidas e duas situações podem ocorrer: na primeira, as ligações de hidrogênio podem ser rapidamente restabelecidas quando na vizinhança houver moléculas similares, voltando à configuração original. Já na segunda, ligações de hidrogênio podem ficar “bagunçadas” ou cruzadas, e não conseguirem voltar à condição original, levando a um fenômeno de agregação, assim perdendo sua funcionalidade biológica, ou seja, ficando inativadas!

Em vírus conhecidos como não envelopados (que são recobertos apenas por um capsídeo ou cápsula de proteínas), ocorreriam fenômenos similares de agregação de proteínas, virando uma única partícula inativada.

Já em algumas espécies de bactérias, que contêm um tipo especial de moléculas capazes de absorver luz (moléculas cromóforas), parece ocorrer um processo em que a energia transferida da luz para o cromóforo, pode induzir danos ao DNA da bactéria, contribuindo parcialmente à sua inativação.

No mesmo estudo, experimentos feitos com camundongos mostraram resultados promissores de proteção contra E. coli, quando aplicada uma vacina feita com a mesma bactéria inativada usando a tecnologia de laser de pulsos ultracurtos. Mas ainda serão necessários estudos com número maior de camundongos para termos um panorama mais completo. Voltaremos com mais um artigo, assim que forem publicados estes resultados!

A tecnologia laser é uma grande aliada dos estudos em escala microscópica, com lasers conseguimos, por exemplo, enxergar o interior das células e agora parecem ser aliados promissores na busca por alternativas de proteção contra as bactérias superresistentes.

Fontes:

Fonte Da Imagem Destacada: “Just How Fast Can Bacteria Grow? It Depends.”por EMSL is licensed under CC BY-NC-SA 2.0

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jbio.202100207

https://jbiomedsci.biomedcentral.com/articles/10.1186/1423-0127-19-62

https://www.reactgroup.org/antibiotic-resistance/course-antibiotic-resistance-the-silent-tsunami/part-1/the-discovery-of-antibiotics/

https://portal.ct.gov/DPH/HAI/MultidrugResistant-Organisms-MDROs-What-Are-They

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/mop.32882

Para saber mais:

https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-08-30/superbacterias-a-proxima-pandemia.html

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