Investimentos públicos em ciência e tecnologia: alguns porquês sim (V.2, N.8, P.3, 2019)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade Desenho de um foguete subindo acima das nuvens em um céu azul. Em cima de uma das nuvens há moedas douradas.

Texto escrito em colaboração com Cassiano Aono

Todo mundo, ou quase todo mundo, já jogou algum vídeo game ou aplicativo de celular de ação, sejam eles parecidos com tempos atuais ou medievais, ou até mesmo ficção. Provavelmente já fez o mesmo para o planejamento e construção, seja de uma cidade, de um país, de um planeta ou outro afim. Muito do que se faz nestes jogos é com base em estratégia, e quanto mais avançados nas fases dos jogos, vamos adquirindo mais experiência e refinando a nossa estratégia.

Administrar diversas coisas na vida real têm certas analogias possíveis com estes tipos de jogos. Vejamos alguns exemplos: se você desenvolve o poderio militar de suas tropas ou a qualidade das mercadorias, estas ficam cada vez mais caras e também melhores. Essa ideia se parece muito com as pesquisas científicas e questões fundamentais para a autonomia e soberania de qualquer país, tais como: quais itens serão produção interna e quais serão importados de outros países; o tipo de emprego que os cidadãos podem ter; a qualidade de vida e os serviços que o Estado será capaz de oferecer (sejam eles próprios ou privados, neste texto não importará).

Cabe destacar que a autonomia e a soberania de um país são importantes para que o estado de bem-estar social possa tentar ser colocado em prática e, para isso, alguns porquês econômicos balizam a necessidade de investimento em pesquisas e desenvolvimento. O estado de bem-estar social é uma teoria do sociólogo Gunnar Myrdal, que obteve sucesso prático em países como Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. Ele é bem simples: é papel de cada país garantir serviços públicos que deseja oferecer e regular os serviços privados vislumbrando alguma harmonia social, mesmo mantendo as diferenças entre as classes.

Em suas pesquisas foi possível evidenciar a pobreza produzindo ainda mais pobreza, tanto na amostra de países asiáticos como nas questões relativas aos negros norte-americanos. Nos seus trabalhos Myrdal destaca que o desenvolvimento das nações ricas pode simplesmente nunca convergir com o das nações pobres. Isso levaria ao confinamento cada qual em sua condição de riqueza além da condenação à crescente e eterna pobreza das nações que possuem este status atualmente. Dá pra entender que é vital ter um país não só soberano como também mirando bem-estar social.

O professor da Unicamp Fernando Galembeck conta à Revista Fapesp sobre o primeiro cientista do mundo a usar ciência para conseguir recursos:

“Tales de Mileto, geômetra e astrônomo considerado por alguns o primeiro cientista, foi também um hábil transformador de conhecimento em riqueza. Em um certo ano, previu que haveria uma grande safra de olivas e comprou muitas prensas de óleo, revendendo-as na safra. Assim conseguiu uma grande receita e satisfez necessidades dos produtores de óleo. Se não tivesse acumulado as prensas que mandou fazer, não haveria como prensar todas as azeitonas.”

O que para a época foi fantástico e pode ser aplicado até hoje respeitando-se a elasticidade da lei de oferta e demanda. E assim como neste caso, o papel da ciência pública é pensar nos interesses do Estado e o do Estado garantir a formação com excelência de mais cientistas e manutenção e ampliação da capacidade de produzir ciência. A dos cientistas é produzir mais conhecimento, patentes e com isso desenvolvimento econômico e social quebrando a sentença de prisão perpétua no ciclo de pobreza.

Os ensinadores, como personagem nesta rede de desenvolvimento, tem por papel formar mão de obra altamente qualificada para poder manter indústrias que acabam sendo beneficiadas. Estas por sua vez agregam valor aos bens produzidos para que não seja necessário exportar matéria-prima, afinal, exportar 1 tonelada de aço e importar 1 tonelada de bicicleta não parece nada inteligente e nem economicamente saudável. Esse modelo não gera tantos empregos quanto poderia com a mesma quantidade de matéria-prima produzida e a mão de obra necessária não é especializada na mesma quantidade caso a matéria-prima fosse tratada dentro do próprio país produtor gerando menor desenvolvimento intelectual da população. Se nos joguinhos que você conhece existe qualquer tipo de produção, colheita, manufatura e pesquisa você certamente conseguiu perceber algumas ligações possíveis com a necessidade de pesquisa no mundo real.

Assim os porquês econômicos se misturam com porquês sociais, já que para a melhora nas condições de vida das pessoas, a geração de empregos qualificados, com melhores salários, e a qualificação dos trabalhadores devem ser garantidas. Se a tendência é: países ricos cada vez ficarem mais ricos e os pobres mais pobres, a menos que seja atingido um patamar de não-pobreza, esta variação vai se dar também na precarização das condições de trabalho e nos tipos de trabalhos ofertados. Desta forma, investimento público em condições para que existam pesquisadores no seu país é uma forma de garantir que toda a indústria qualificada que depende de mão de obra especializada possa estar nutrida de profissionais competentes. Caso contrário, o processo de ruralização e venda de commodities1 básicas como ferro e soja passam a ser o único caminho econômico possível.

Pensando em Brasil ainda temos os porquês jurídicos próprios da nossa nação que envolvem a legislação vigente que obriga o estado brasileiro:

“[…] ao desenvolvimento de tecnologias que atendam e impulsionem os setores cibernético, espacial, nuclear, de defesa, de comunicações e inteligência artificial e a produção industrial, o agronegócio, o turismo, o comércio e outras formas de produção de riquezas no País.”

Neste caso simplesmente seria impossível impulsionar setores como o espacial e o nuclear já que a constituição federal garante o monopólio desses desenvolvimento ao Estado brasileiro. Afinal, seria estranho uma empresa privada enriquecendo combustível nuclear dentro do território brasileiro, não? Qualquer desvio ou erro de estratégia poderia levar a um acidente ou a um ataque terrorista a uma base de enriquecimento, sem os militares para fazerem a devida defesa e contenção. Além do fato, é claro, de ser no mínimo estranho um país terceirizar para o capital privado sua defesa ou inteligência interna por exemplo.

É possível se pensar em casos hipotéticos mais graves, por exemplo se algum grupo político ou paramilitar em posse de uma indústria nuclear desenvolve arma nuclear dentro do nosso próprio país? Não precisaríamos nem de ameaça externa, se é que precisamos disso…

Nestes casos, a defesa das políticas públicas também passa por uma questão bem sensível já falada anteriormente, a autonomia nacional. Fundamental para um país ter ou tentar ter alguma garantia mínima da manutenção da própria soberania.

Ainda existem diversos porquês que, para não alongar ainda mais este artigo, trabalharemos em artigos futuros, principalmente os porquês não-econômicos e socioambientais. Enquanto isso você pode ver alguns outros conteúdos que deixamos aqui no fim sobre esses pontos abordados.

1 – Qualquer bem em estado bruto, gerado de origem agropecuária ou de extração mineral ou vegetal, produzido em larga escala mundial e com características físicas homogêneas, seja qual for a sua origem. Fonte importante de exportação de países emergentes como o Brasil. 

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Mohamed Hassan

Para saber mais:

DECRETO Nº 9.677, DE 2019

DECRETO Nº 9.689, DE 2019

Artigo 218 e 219 da constituição de 88

Violência e desigualdade social

Ciência e inovação (por Fernando Galembeck)

Ciência: soberania nacional (por Miguel Nicolelis)

Outros divulgadores:

Por que massagear ratos pode ser um ótimo investimento? | Minuto da Terra

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