#acessibilidade Desenho de um homem de óculos pensando. Acima dele há diversos balões brancos conectados entre si. Um deles contém um mapa do Brasil, enquanto nos outros há diversos elementos relacionados à ciência, como um microscópio, tubos de ensaio, uma seringa, etc.
Se você está lendo isso é porque provavelmente é um entusiasta da ciência, não é mesmo? Como dizia Carl Sagan, quando se ama a ciência “você quer contar isso ao mundo” e é exatamente isso o que divulgadores científicos fazem, mas a divulgação científica seria pouco eficaz em sua missão de comunicar informações e descobertas científicas ao público se focasse apenas em quem já é um entusiasta da ciência. E o público geral? O que os brasileiros sabem e o que pensam sobre a ciência?
Bem, o interesse da população por ciência e tecnologia é alto: 61% das pessoas se dizem interessadas ou muito interessadas em temas científicos ou tecnológicos, como mostra a pesquisa de Percepção pública da C&T de 2019 do CGEE — Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que entrevistou 2200 pessoas nas cinco regiões do país. O interesse em ciência e tecnologia é menor do que o interesse pelos temas Medicina e Saúde, Meio Ambiente, Religião e Economia, também é menor do que o registrado na pesquisa anterior, feita em 2015, mas ainda assim é animador saber que 61% dos brasileiros se interessam por C&T. Em outra pesquisa, realizada com jovens entre 15 e 24 anos, o interesse por ciência e tecnologia também é alto: 67% (atrás de meio ambiente, medicina e saúde e empatado com religião).
A maioria dos entrevistados pelo CGEE (73%) também acredita que a ciência e a tecnologia traz somente benefícios ou mais benefícios do que malefícios e veem com bons olhos a imagem do cientista: 41% os veem como pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade. Esses números também caíram em relação às pesquisas passadas. Dentre os jovens, 69% acreditam que a ciência traz muitos benefícios à humanidade e 96% veem os cientistas como pessoas que aprendem rapidamente coisas novas e que são criativas. A profissão de cientista é vista como atrativa ou muito atrativa por 84% dos jovens, apesar de 93% acharem uma profissão difícil ou muito difícil de alcançar.
Quanto ao conhecimento científico, segundo o CGEE 82% acreditam serem capazes de entender desde que seja bem explicado (dentre os jovens o número sobe para 84%). Esses números contrastam com os resultados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) e pelo Datafolha, onde foi medido o grau de concordância dos entrevistados com frases sobre ciência. Embora alguns números sejam animadores, como os 97% que acreditam nos benefícios das vacinas, os 92% que acreditam no heliocentrismo e os 87% que acreditam no aquecimento global antropogênico, alguns dos resultados são preocupantes: apenas 54% concordam que humanos e chimpanzés vêm de uma espécie de origem comum, 73% acreditam que transgênicos fazem mal à saúde, 83% acreditam que medicina alternativa é uma boa opção para tratar doenças e 66% que energia espiritual pode ter o poder da cura.
Voltando à pesquisa do CGEE, apenas 56% concordaram que as marés são criadas pela força gravitacional da Lua, 48% que a água não ferve sempre a 100ºC e assustadores 73% acreditam que antibióticos servem para matar vírus. Entre os jovens, apenas 60% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que os seres humanos evoluíram ao longo do tempo e descendem de outros animais, 54% acham que os cientistas estão exagerando sobre os efeitos das mudanças climáticas e 38% que a personalidade de uma pessoa é influenciada por seu signo. Por outro lado, 75% discordam que as vacinas sejam perigosas.
Em uma pesquisa britânica realizada em 144 países, 73% dos brasileiros entrevistados disseram desconfiar da ciência e 23% consideram que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento econômico e social do país. Quase a metade dos entrevistados disse que “a ciência em algum momento foi contra minhas convicções religiosas”. Dentre eles, três quartos afirmaram que “quando ciência e religião discordam, escolho a religião”.
Recentemente foi divulgado o resultado do PISA, o programa internacional de avaliação de estudantes feito a cada três anos pela OCDE. Nesta prova, cerca de dez mil alunos brasileiros com entre 15 e 16 anos responderam questões objetivas e dissertativas. Na área de ciências é medido o nível de letramento científico dos estudantes, ou seja, sua “capacidade de se envolver com as questões relacionadas com a ciência e com a ideia da ciência, como cidadão reflexivo”. Somente 45% dos que realizaram a prova atingiram level 2 ou superior, nível mínimo necessário para que esses estudantes “sejam capazes de reconhecer a explicação correta de um fenômeno científico familiar e usar esse conhecimento para identificar, em casos simples, qual a conclusão válida baseado nos dados fornecidos”. Apenas 1% dos estudantes alcançaram level 5 ou 6, ou seja, “podem aplicar de forma criativa e autônoma seus conhecimentos sobre ciência em uma grande variedade de situações, incluindo situações não familiares”.
Eu passei os últimos dias pensando sobre esse texto e tentando finalizá-lo de um jeito animador, mas talvez eu não esteja entre os cientistas criativos. As pessoas dizem se interessar por ciência e acreditam ser capazes de entendê-la, mas quando são testados demonstram pouco conhecimento e colocam dogmas pessoais à frente do conhecimento estabelecido. Pouco conversam ou pesquisam sobre ciência, pouco visitam locais de ciência. Há perspectiva de melhora? Bom, se você chegou até aqui acredito que se importe. Acho que o que podemos fazer é: o mínimo. Grandes mudanças no sistema educacional dependem de uma gestão pública comprometida com a educação e, pelo que foi possível ver até agora, dificilmente algo bom virá da atual, então façamos o mínimo. Tente ajudar a ciência, inicie um projeto de divulgação científica, leve sua família a locais científicos, mostre a eles as maravilhas da ciência, como Sagan fazia. De minha parte, garanto que toda segunda-feira você terá um novo texto para ler e compartilhar. Se quiser.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Freepik | Freepik | Freepik
https://www.cgee.org.br/web/percepcao
https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/CGEE_resumoexecutivo_Percepcao_pub_CT.pdf
http://www.coc.fiocruz.br/images/PDF/Resumo%20executivo%20survey%20jovens_FINAL.pdf
https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/10/07/folheie-a-edicao-284/
https://www.oecd.org/pisa/publications/PISA2018_CN_BRA.pdf
Outros divulgadores:
http://profissaobiotec.com.br/o-que-os-jovens-pensam-sobre-ciencia/
Vídeo PISA e um montão amontoado de muita coisa escrita do Canal do Pirulla no YouTube