A grande aventura da Cassini-Huygens e as descobertas sobre Saturno (V.3, N.10, P.4, 2020)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade Imagem obtida pela Cassini em 6 de Maio de 2012 a uma distância de aproximadamente 800 mil quilômetros. Nela é possível ver Saturno, seus anéis e seu principal satélite natural, Titã. O fundo da imagem é preto e o planeta tem tons de marrom amarelado.

Se você pudesse, em um passe de mágica, visitar qualquer lugar do Sistema Solar (planeta, satélite, asteroide ou mesmo o Sol…), qual lugar você escolheria?

Talvez você, como eu, escolhesse Saturno, com seus belos anéis e suas dezenas de satélites… Já imaginou como ele é “de perto”? Como seria atravessar esses anéis?

Saturno é um dos cinco planetas do sistema solar que é visível a olho nu (os outros são Mercúrio, Vênus, Marte e Júpiter), e por isso é conhecido desde a antiguidade por diversas civilizações. Seu nome vem do deus do tempo da mitologia romana, “Saturnus”.

Até meados do século XVII, pouco se sabia sobre esse planeta que ainda hoje guarda muitos mistérios (sobre os quais você pode conhecer um pouco mais neste texto). Galileu Galilei foi o primeiro a apontar para o céu um dispositivo que permitia ver mais detalhes de objetos distantes (a luneta), e assim observou particularidades como o relevo acidentado da nossa Lua, os satélites de Júpiter, e em Saturno algo que ele descreveu como dois lóbulos, um de cada lado do planeta.

Essa estrutura só foi melhor descrita cerca de 50 anos depois pelo astrônomo holandês Christiaan Huygens, que utilizando uma luneta com melhor resolução chegou à conclusão que Saturno era circundado por um anel que não estava conectado em nenhum ponto com o planeta. Inicialmente, supôs-se que esse anel fosse rígido, e Huygens também identificou o primeiro satélite de Saturno, que mais tarde recebeu o nome de Titã.

Nos anos seguintes, outros quatro satélites (Jápeto, Dione, Reia e Tétis) foram identificados pelo astrônomo italiano Giovanni Cassini. Com a evolução dos dispositivos de observação, foram feitas novas descobertas sobre Saturno. Observou-se uma faixa escura, chamada a partir de então de divisão de Cassini, que dividia o anel em dois. Descobriu-se também que os anéis não eram rígidos e sim formados por poeira e minúsculos meteoros. Calculou-se a massa do planeta a partir das órbitas dos satélites, e o ângulo de inclinação em relação ao plano do sistema solar. Outras formas de observação como a espectroscopia permitiram descobrir a composição do planeta, formado principalmente por hidrogênio e hélio e com um núcleo rochoso.

A oportunidade de “ver de perto” outros planetas do sistema solar só foi possível nas décadas finais do século XX, com as sondas espaciais. A primeira sonda a passar por Saturno foi a Pioneer 11, que também sobrevoou Júpiter. Apesar de ter sido uma visita rápida, seus instrumentos detectaram um anel de Saturno até então desconhecido (o anel F), mediram propriedades da atmosfera e verificaram a intensidade e a geometria do campo magnético do planeta.

Depois dela, foram as Voyagers 1 e 2, que visitaram Saturno em 1980 e 1981 respectivamente. Essas sondas tinham mais recursos tanto de imagem como de espectroscopia, e dentre várias descobertas interessantes, observaram que os anéis são compostos por objetos cujas dimensões variam desde centímetros a poucos metros, gelo e partículas de poeira.

As Voyagers também obtiveram imagens de alguns satélites de Saturno, e dentre eles Titã (o primeiro a ser descoberto por Huygens) foi o que despertou maior interesse. Titã é o segundo maior satélite do sistema solar, o único que possui uma atmosfera extensa, e essa atmosfera é curiosamente bem parecida com a da Terra. Em ambas, o nitrogênio é o gás mais abundante, e cogitou-se que o metano¹ em Titã desempenharia um papel semelhante ao da água no nosso planeta. A temperatura da superfície de Titã é por volta de -180º C, o que não permite a presença de água líquida, mas permite a formação de lagos e mesmo chuvas de metano.

As descobertas relacionadas à Titã foram tantas e tão promissoras que nos anos seguintes à chegada das Voyagers em Saturno os pesquisadores começaram a planejar uma nova “visita”, que incluía um orbitador para explorar seu fascinante satélite. Assim foi criada a missão Cassini-Huygens, a partir da cooperação entre a NASA (Agência Espacial Norte-Americana), a ESA (Agência Espacial Europeia) e a ASI (Agência Espacial Italiana).

O conjunto Cassini-Huygens era formado por dois módulos: a sonda Cassini, projetada para se conectar gravitacionalmente ao corpo celeste e ficar dando voltas ao seu redor, e o módulo Huygens, especificamente construído para se desacoplar da sonda e pousar na superfície. O lançamento do conjunto foi em 1997 e após sete anos, em julho de 2004, a sonda Cassini entrou na órbita de Saturno. Em janeiro de 2005 o módulo Huygens pousou em Titã com sucesso, e você pode ver o pouso nesse vídeo.

A sonda Cassini orbitou Saturno e enviou informações para a Terra por treze anos, o que permitiu aos pesquisadores estudarem a temperatura e a composição da sua atmosfera superior e identificar as diferentes estações. Observou-se uma tempestade sobre o polo norte do planeta, cujas bordas formam um hexágono, e a temperatura, forma e velocidade dos ventos nessa tempestade variam com as estações. Saturno também possui faixas, assim como Júpiter, mas elas são menos definidas. Tanto a tempestade quanto as faixas na superfície já tinham sido observadas pelas Voyagers, mas a Cassini obteve imagens e informações mais precisas.

O módulo Huygens, que pousou na superfície de Titã, encontrou um terreno cheio de pedregulhos e poeira. Segundo a pesquisadora Rosaly Lopes, chefe da Divisão de Ciências Planetárias do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da NASA, as imagens obtidas pelo Huygens comprovaram a existência de nuvens, lagos, rios e neve de metano no satélite. Água congelada também faz parte do relevo, assim como dunas de poeira que são resultado da erosão causada pelos ventos que varrem a superfície. Além de metano, estão presentes na atmosfera outros hidrocarbonetos (compostos de carbono e hidrogênio) como etano, propano e acetileno.

Outra descoberta importante da sonda Cassini foi a existência de erupções de água e de grãos de gelo próximo aos polos de outro satélite, Encélado, que possui uma crosta de gelo em sua superfície e provavelmente um oceano de água líquida salgada abaixo dessa crosta. Acredita-se que água se mantém líquida graças à intensa atividade geológica interna do satélite.

O planejamento inicial era que a missão durasse quatro anos, terminando portanto em meados de 2009. No entanto, ela foi prorrogada duas vezes, chegando a 13 anos no sistema de Saturno. Após esse tempo, os responsáveis pela missão optaram por arremessá-la contra o planeta para que ela fosse destruída enquanto eles ainda podiam controlá-la. O maior receio em deixar que seu combustível acabasse e simplesmente abandoná-la era que ela se chocasse com alguma das luas e a contaminasse com algum resquício orgânico que tivesse sido levado da Terra.

Assim, em 22 de abril de 2017 começou o que foi chamado de “Gran Finale”, uma sequência de 22 mergulhos no “buraco” entre Saturno e seus anéis. Nesses mergulhos ainda foram produzidas imagens e obtidos dados sobre os anéis e a atmosfera, e finalmente, em 15 de setembro do mesmo ano, foi feito o último mergulho, quando perdemos o contato com a sonda…

Segundo o site da NASA sobre a missão Huygens-Cassini, nesses 13 anos foram gerados mais de 450 mil imagens, cerca de 650 GB de dados e a sonda completou 294 órbitas ao redor do planeta. Foram descobertas e nomeadas seis novas luas e observados detalhes dos anéis. Muitos desses dados e imagens ainda não foram analisados profundamente, o que indica que novas descobertas ainda podem ser feitas.

A missão Cassini-Huygens é considerada um sucesso, pois trouxe luz sobre muitos mistérios que cercavam o “Senhor dos Anéis” do sistema solar. Mas suas descobertas também abriram caminho para novas perguntas. E vale a pena lembrar que a missão foi lançada em 1997, com equipamentos que possuíam a tecnologia mais avançada disponível naquele momento. Imagine o que poderia ser obtido com a tecnologia de hoje, mais de duas décadas depois? Ainda segundo sua página oficial, a NASA planeja para os próximos anos uma missão que vai explorar o satélite Europa, de Júpiter, e mais adiante, outras missões que pretendem chegar aos gigantes de gelo Urano e Netuno. Aguardemos pois…

¹ Metano é um composto químico formado por um átomo de carbono e quatro átomos de hidrogênio. É o principal componente do que chamamos de “gás natural”. Em condições normais (na Terra) ele é um gás incolor, e em baixas temperaturas como as da superfície de Titã pode ser encontrado na fase líquida.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute

Página oficial da NASA “Cassini” (em inglês, mas nada que o Google Tradutor não resolva…): https://solarsystem.nasa.gov/missions/cassini/overview/#what’s_next?

Página da missão no site do Laboratório de propulsão a jato do Instituto de Tecnologia da Califórnia (em inglês): https://www.jpl.nasa.gov/missions/cassini-huygens/

Para saber mais:

“Cassini descobre pistas em Enceladus, lua de Saturno”. Site da Agência Espacial Européia

“Saturno, afinal!”, Scientific American Brasil

“Um mergulho em Saturno”, Museu do amanhã

“Cassini: tudo sobre a missão que chegou mais perto de Saturno”, Revista Galileu

“Cassini, revelou aspectos desconhecidos do Sistema Solar”, National Geographic Portugal

“Paisagens de Titã”, Revista Pesquisa Fapesp

“Nasa encontra novas evidências de gelo fresco em Encélado, lua de Saturno”, Revista Superinteressante

“Nova teoria de marés explica gêiseres em Encélado, lua de Saturno”, Jornal da USP

Outros divulgadores:

Vídeo Cassini e os anéis de Saturno no canal Nerdologia no YouTube

Vídeo O Mergulho da Cassini – Primeiras Imagens – Guia do Espaço 23 no canal BláBláLogia no YouTube

Vídeo Especial Cassini (1997 – 2017) – Space Today TV Ep.856 no canal SpaceToday no YouTube

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