#acessibilidade: Imagem de Cério selado em um tubo. Fonte: WikiCommons
Texto pelo colaborador Artur Franz Keppler
Opa, tudo bem? Fico feliz que você voltou. Apesar de Cério, sou um ótimo contador de histórias. Vou derrubar vários mitos. O primeiro, que sou raro. Ou melhor, que os lantanídeos, meus irmãos terras raras, são raros.
Nossa história começa nos tempos dos criadores de mitos, pois, segundo os filósofos naturais,[1] tudo que era insolúvel em água e não se alterava com o calor, era considerado “terra”. Nessa categoria, estavam os hoje conhecidos óxido de cálcio, óxido de magnésio, dióxido de silício (principal componente da areia), óxido férrico, e digamos, 90% dos compostos que constituem a crosta terrestre. Os dois primeiros, são parcialmente solúveis em água e neutralizavam substâncias ácidas, por isso eram sub-classificados como terras alcalinas.[2]
Na era moderna, quando o cálcio e o magnésio metálico foram isolados desta “terra”, ficaram conhecidos como metais alcalino-terrosos. Com o tempo, outros elementos com propriedades semelhantes foram isolados, completando a família 2A, como previsto por Mendeleev.[3] Algumas décadas antes da publicação da Tabela Periódica, o químico Johan Gadolin analisou um antigo feldspato coletado perto do vilarejo de Ytterby, na Suécia. Ele classificou o material como uma “terra rara” e o batizou de yttria. Posteriormente, o alemão Martin Heinrich Klaproth descobriu que a yttria poderia ser separada em duas substâncias distintas: uma manteve o nome original, e a outra recebeu o nome de ceria, em homenagem ao planeta anão Ceres.[4]
Os nomes dos elementos foram surgindo para homenagear seus pais científicos, seus locais de origem, países e cidades dos quais os cientistas eram originários. Em inglês, os elementos denotam certa nobreza. Mas ao traduzir seus nomes para o portugues – ah, que delícia! – Gerúndio, Confúcio, Prepúcio, Solúcio, Sepúlveda, Antônimo, Gerônimo, Disprósio, Itérbio e Lutécio. Descubra quais deles são elementos químicos na sessão “para saber mais”. [5]
Em resumo, o termo “terras raras” vem da antiga Grécia e não da sua escassez, visto que sabemos hoje que o menos abundante deles – o Túlio – é mais comum que o ouro e a prata. Por obra do destino, é aquele que, na família, tem o nome menos estapafúrdio. Os mais abundantes – Lantânio, Cério e Neodímio – são mais comuns que o chumbo. Juntos, os Lantanídeos, têm maior concentração na crosta terrestre do que o Cobre e o Estanho.
Como de raros não tem nada, para acabar com essa palhaçada, hoje são chamados de Lantanídeos.
É Cério, Cério?
É Cloro que não!!!
Apesar de serem abundantes, os Lantanídeos são muito difíceis de serem isolados dos seus minerais de origem. A monazita, por exemplo, é uma mistura de fosfatos de Cério, Lantânio, Neodímio e Praseodímio. A eletrônica peculiar desses elementos os torna similares físico-quimicamente e consequentemente, sua purificação é custosa e complexa.
Assim como o Ouro, a Prata e outros metais, quanto mais puro o metal, mais valioso. No caso dos Lantanídeos, a pureza tem mais a ver com seu uso do que uma questão meramente financeira.
Por exemplo, no seu celular, tem cerca de 0,2 mg de Európio. Para entender a importância da pureza, o Európio não está lá como um ponto de solda (metálico), em um lugar específico da tela. Ele faz parte da composição de um óxido de Ítrio, que é dopado com Európio (Y₂O₃:Eu³⁺).[6] Essa “contaminação Européia”, uma quantidade muito pequena, porém precisamente adicionada, é o segredo da luminosidade das telas de LCD dos celulares atuais. Assim como uma pequena quantidade de Európio otimiza as propriedades da tela, outros contaminantes fazem o contrário.
O mesmo é válido para o Neodímio, que é usado nos motores de carros elétricos, alto-falantes, microfones e aparelhos de ressonância magnética. Todos esses equipamentos usam ímãs como tecnologia estrutural. Em um motor de um carro elétrico, se usa cerca de 1,0 kg de imãs de NdFeB, o que equivale a 250 g de Neodímio puro. Se ele estiver contaminado com outros lantanídeos, a proporção de Neodímio não vai ser adequada e mesmo que os outros contaminantes sejam inertes, a performance do imã não será ideal.
Já que é importante essa associação entre pureza e refinamento tecnológico, o que deve ficar claro é que os investimentos e incentivo governamentais devem estar centrados no desenvolvimento de tecnologia nacional para purificar esses minerais. Senão, seguiremos repetindo a história, como exportadores de minério bruto e importadores de produtos de alto valor agregado, contendo por exemplo, ferro brasileiro. Repetindo, a tecnologia envolvida nos processos de purificação em grande escala dos lantanídeos é a chave da corrida do ouro do século XXI e da soberania brasileira nesse setor.[7]
Para saber mais:
1. Os filósofos gregos antigos eram chamados de filósofos naturais. Eles são considerados os precursores do método científico, ao substituir explicações mitológicas por interpretações racionais da natureza, lançando as bases da ciência moderna. E os elementos fundamentais nesse primórdio da ciência observacional eram a terra, fogo, água e ar.
2. Todo esse trecho, que conta um pouco da história dos lantanídeos, está no livro “Asimov ‘s new guide to science” de Isaac Asimov. Para quem se encanta com ciência, é um livro fundamental. Apesar de ter quase 40 anos (foi lançado em 1984), continua sendo um pilar da divulgação científica.
3. Dois textos incríveis sobre a tabela Periódica:
4. Na era moderna, comparando as propriedades físicas dos elementos e com o advento da técnica de espectroscopia de raios X, os 15 terras raras foram alocados na janelinha dos lantanídeos, logo abaixo do Itérbio (Família 3A).
5. Olha só que legal a origem de cada um dos nomes dos lantanídeos, começando por ele:
- Lantânio : da palavra grega que significa escondido
- Cério : homenagem ao planeta anão Ceres
- Praseodímio : do grego “gêmeo verde”, decorrente da linha verde observada na sua análise espectroscópica
- Neodímio : novo gêmeo
- Promécio : homenagem à Prometeu, titã da mitologia grega, que roubou o fogo do céu e o deu à humanidade
- Samário : de samarskita, mineral onde ele foi encontrado
- Európio : de Europa
- Gadolínio : homenagem ao John Gadolínio
- Térbio : de Ytterby, vilarejo sueco donde ele foi encontrado
- Disprósio: do grego “difícil de chegar”
- Hólmio : de Estocolmo
- Érbio : também de Ytterby
- Túlio : de Thule, antigo nome da Escandinávia
- Itérbio : novamente de Ytterby
- Lutero : de Lutetia, antigo nome de Paris
6. As telas de LED (celulares, TVs), sensores ópticos, lasers, lâmpadas fluorescentes usam esse óxido em um material chamado de fósforo vermelho. Os fósforos vermelhos não são palitos de fósforo (para fazer fogo), mas sim fósforos no sentido de “fosforescentes”, ou seja, materiais que emitem luz quando excitados.
7. Faltando falta de legislação para esse tipo específico de mineração, a notícia mais recente é de que a única empresa que explora terras raras no Brasil é dos USA e exporta o produto refinado para a China. A largada nem foi dada e já estamos para trás.