Será que Einstein pode estar errado? (V.2, N.7, P.5, 2019)

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Tempo de leitura: 6 minutos
#acessibilidade Icônica foto de Albert Einstein tirada em 1951 pelo fotógrafo Arthur Sasse para o United Press. Na foto, Einstein aparece, em preto e branco, com cabelos e bigode brancos, já com mais de 70 anos, vestindo um sobretudo preto e mostrando a língua para a câmera.

Texto escrito pelo colaborador Alysson Fabio Ferrari

Ao olhar a foto acima, o que você pensa? Este é Albert Einstein, o maior físico de todos os tempos, um gênio que revolucionou sozinho a física inventando a teoria da relatividade. Você pode também saber que a relatividade prova que Newton estava errado, que tudo é relativo, e fala sobre coisas como espaço e tempo, e buracos negros. Talvez tenha até visto notícias recentes destacando que uma expedição a Sobral, no Ceará, que completa cem anos em 2019, foi considerada a primeira grande comprovação da relatividade. Além de tudo isso, aparentemente, Einstein também tinha tempo para inventar muitas frases motivacionais para o pessoal divulgar pelo Facebook hoje em dia!

O parágrafo anterior descreve muito do que é o “conhecimento popular” acerca do cientista alemão e da relatividade. Einstein se tornou, no imaginário coletivo da humanidade, uma representação do gênio solitário e revolucionário, e um dos poucos cientistas que seria reconhecido por quase qualquer pessoa. A realidade, contudo, é bem diferente da imagem popular, como fica evidente pela leitura da majestosa biografia Sutil é o Senhor, de Abraham Pais, talvez a melhor descrição do cientista e da sua ciência disponível até hoje. Já no recente A origem histórica da relatividade especial, de Roberto de Andrade Martins, uma visão bastante crítica de Einstein e da sua relação com o surgimento da relatividade é apresentada (um livro que poderá chocar leitores cuja visão seja próxima da descrita no primeiro parágrafo deste texto).

Dada a posição assumida por Einstein no imaginário das pessoas, pode até parecer estranho sugerir que “Einstein pode estar errado”. No entanto, recentemente, circularam as notícias da detecção de ondas gravitacionais e da obtenção de uma “fotografia” de um buraco negro, e a cobertura da imprensa destacou que esses resultados mostram que “Einstein estava certo de novo”. Será que deveríamos estar surpresos com estes resultados?

É inegável que a relatividade já foi bastante testada, através de muitos experimentos diferentes. Confiamos tanto nela, que a utilizamos como ponto de partida fundamental para muitas teorias que foram desenvolvidas depois – então o sucesso destas também, indiretamente, atesta o sucesso da relatividade. Não é exagero dizer que a relatividade é um dos pilares fundamentais que sustenta quase toda a física desenvolvida a partir do século XX.

Mas, afinal – será que a relatividade pode estar errada?

Antes de mais nada, é importante esclarecer um ponto: a relatividade certamente não está obviamente errada. Muitas pessoas, seja movidas por uma antipatia à figura de Einstein, seja pelo entusiasmo de “revolucionar sozinho a física”, imaginaram encontrar algum paradoxo ou falha óbvia que demonstra que a Relatividade é inconsistente (ou não funciona) para os fenômenos que conseguimos investigar com as tecnologias atuais. Teorias mirabolantes são as vezes propostas para “corrigir” a relatividade (às vezes, de lambuja, toda a física!). Não queremos nos referir a nada parecido com isso. A Relatividade adquiriu um status extremamente sólido através das suas muitas verificações experimentais, diretas ou indiretas: ela certamente não é inconsistente e funciona muito bem até os limites em que conseguimos testá-la.

Precisamos, então, entender o que pode significar a palavra “errada” quando estamos nos referindo a uma teoria física tão bem estabelecida. Vamos pensar na história do surgimento da própria Relatividade: no começo do século XX, a teoria da mecânica de Newton já tinha no currículo alguns séculos de verificações experimentais e estudos teóricos e, no entanto, descobriu-se que ela estava “errada”. Não se tratava apenas de um pequeno problema em alguma equação menos importante: a relatividade mostrou que os conceitos básicos de espaço e tempo utilizados por Newton estavam equivocados. Isso significa que jogamos fora a teoria de Newton? Como todo estudante de física ou engenharia que enfrenta um curso de física básica na universidade sabe, não é bem assim. Continuamos estudando e aplicando a teoria de Newton, porque ela fornece uma aproximação muito boa na maior parte das situações cotidianas. Nestas condições, ela é perfeitamente consistente, e fornece resultados que coincidem com os experimentos. Um engenheiro aeronáutico que usasse a relatividade para projetar um avião estaria perdendo seu tempo com complicações desnecessárias. Por outro lado, no funcionamento do sistema de localização GPS, por exemplo, o uso da relatividade nos cálculos é essencial.

De forma similar, é possível que a relatividade não seja exata, mas sim uma aproximação muito boa para alguma teoria mais completa. Existe pelo menos um motivo razoável para suspeitar que isso de fato possa acontecer: o chamado problema da gravitação quântica. Esse problema mereceria um texto só para ele, mas vamos resumi-lo da seguinte forma: nós não sabemos descrever a interação gravitacional envolvendo partículas elementares (os constituintes fundamentais dos átomos, como elétrons e quarks). As teorias que conhecemos não funcionam se tentamos descrever esse tipo de fenômeno, por outro lado os efeitos esperados são pequenos demais para serem detectados com as tecnologias atuais – então não temos observações experimentais para “guiar” a formulação teórica da gravidade quântica. Este é um dos grandes desafios da física fundamental hoje em dia.

O problema da gravitação quântica é um dos argumentos mais fortes para dizer que a física que conhecemos não é completa, e ele também indica em que tipo de cenário esperamos enxergar as peças faltantes do quebra-cabeça: buracos-negros são um exemplo, assim como os instantes iniciais da história do Universo – próximo do que chamamos de Big-Bang. São situações limites, em que as teorias que atualmente conhecemos são colocadas à prova, além do que parecem ser capazes de descrever – e, como o leitor pode imaginar, situações muito difíceis de se estudar experimentalmente, já que não conseguimos fabricar buracos negros em laboratório (veja contudo este vídeo, discutindo pesquisa interessante a esse respeito, envolvendo pesquisadores da UFABC), ou voltar no tempo para estudar o nosso Universo na sua infância.

A hipótese de que a relatividade não seja exata quando estudamos a natureza nessas situações extremas já foi levantada em várias propostas teóricas relacionadas com a gravitação quântica, e isso tem motivado a realização de novos testes dos princípios básicos da relatividade. E não se trata apenas da repetição dos testes já conhecidos com melhor precisão, mas novos experimentos, usando sistemas físicos radicalmente diferentes. Como dissemos: a relatividade está na base de quase toda a física que conhecemos, então deve haver uma maneira de testar a relatividade usando praticamente qualquer experimento físico preciso o suficiente. Uma nova ferramenta teórica foi desenvolvida, na década de 1990, por cientistas como o físico Alan Kostelecky da Universidade de Indiana, nos EUA, que permitiu organizar e sistematizar uma nova geração de testes experimentais da relatividade. Nas últimas três décadas, esta ideia gerou um grande número de pesquisas, que continuam validando a teoria da relatividade com precisão até então sem precedentes.

É interessante perceber que, mesmo após um século, ainda existe investigação acerca dos fundamentos da teoria relatividade. Será que eles continuam funcionando, mesmo nas situações mais extremas do Universo? Ou será que teremos novas revoluções na descrição do espaço e do tempo como aconteceu no começo do século XX? Até o presente momento, os dados experimentais continuam sugerindo que a relatividade está de fato correta, mas pode ser que a teoria que Einstein ajudou a construir volte a se tornar um ator crucial em novas descobertas da física do século XXI.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Internet.

Sutil é o Senhor, Abraham Pais, Editora Nova Fronteira.

A origem histórica da relatividade especial, Roberto de Andrade Martins, Editora Livraria da Física.

Einstein estava certo?, Clifford M. Will, Editora UnB.

Verbete da Wikipedia sobre Relatividade Restrita

Para saber mais:

O leitor interessado em ler mais sobre essa linha de pesquisa pode acessar o artigo, recentemente publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física. Parte do artigo é técnica, pensada para egressos de um curso de licenciatura/bacharelado em física, mas a parte inicial discute esta temática em nível acessível, e fornece uma descrição mais detalhada do problema da gravitação quântica, e sua relação com os fundamentos da relatividade.

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