Quantos gramas? (V.1, N.6, P.3, 2018)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade K20, um dos dois protótipos do quilograma armazenados no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST, na sigla em inglês) dos EUA, utilizado como padrão primário na definição das unidades de massa nos Estados Unidos. Esta é uma réplica para exibição pública, mostrada como normalmente é armazenada, dentro de duas campânulas.

O ano de 2018 já está terminando e, junto com ele, a história de um ilustre objeto de quase 130 anos. Na primeira reunião do Comitê Internacional de Pesos e Medidas (CIPM), ocorrida no ano 1889, definiu-se o padrão para as medidas de massa no Sistema Internacional (SI) de unidades: 1 quilograma (kg) corresponde à massa do cilindro de platina e irídio, conhecido como “Protótipo Internacional do Quilograma” (IPK, na sigla em inglês), ou “Le Grand K”, ou, ainda, o “quilograma-padrão”. O artefato original encontra-se armazenado desde então no escritório do CIPM, em Sèvres, nos subúrbios de Paris. Após a reunião, várias cópias do IPK foram enviadas aos países participantes do comitê para serem utilizadas nas calibrações de suas balanças.

Ao longo da história das ciências vemos que as unidades de medida que prevaleceram são as das nações dominantes ou as que advieram dos acordos entre elas. O sistema métrico foi mais adotado na Europa continental, tendo os franceses os seus maiores defensores, e o sistema imperial foi mais adotado pelos britânicos, tendo prevalecido também nos Estados Unidos. Todo americano sabe que 1 milha são 5280 pés e que 1 pé são 12 polegadas. Ou se está fazendo calor ou frio a uma temperatura de 70 fahrenheits. Mas quando começamos a achar que entendemos as distâncias em milhas ou as temperaturas em fahrenheits, um garçom nos informa o volume do copo de cerveja em onças!

Na verdade, o quilograma é derivado de sua milésima parte, o grama (g), definido originalmente como a massa de 1 centímetro cúbico de água a 0 ºC. Este foi um conceito proposto originalmente pelo filósofo inglês John Wilkins, em 1668, mas somente adotado como padrão na França, por força do “Decreto relativo a pesos e medidas”, de 7 de abril de 1785, que continha várias definições de unidades de medidas. Posteriormente, em 1799, o químico francês Louis Lefrève-Gineau e o naturalista italiano Giovanni Fabbroni, propuseram uma alteração na definição, mudando a temperatura da água de 0 ºC para 4 ºC, por ser esta a temperatura onde a água atinge a sua máxima densidade e encontra-se mais estável. Neste mesmo ano, foi produzido um protótipo de platina com exatamente a massa de 1 decímetro cúbico (ou 1 litro) de água a 4 ºC, que foi aceito como padrão pelos noventa anos seguintes. E foi após a assinatura de um tratado, em 1875, em que dezessete países adotaram o mesmo sistema de medidas para massas e comprimentos, que decidiu-se por produzir um novo artefato, “Le Grand K”, adotado formalmente como o quilograma-padrão na primeira reunião do CIPM, de 1889.

Mas qual é o problema com “Le Grand K”? Por que o padrão está sendo alterado? Bem, o grande problema é que um padrão de medida na física deve-se manter constante, imutável por um longo período de tempo – de preferência, para sempre! Se o padrão de medida mudar, serão alteradas com ele, consequentemente, todas as medidas que o utilizam. E é exatamente isto que tem ocorrido com “Le Grand K” e suas réplicas: medidas de precisão da diferença relativa entre as massas dos objetos após um século de suas existências indicaram que eles, em geral, ganham massa, ao lentamente absorverem moléculas contaminantes do ar. Mesmo quando cuidadosamente acondicionados em campânulas. O aumento de massa gira em torno de 50 a 75 µg por século, para a maioria das réplicas (há um caso com aumento de 130 µg por século). Algumas poucas amostras, por outro lado, apresentam pequenas diferenças de massa, flutuando até para valores negativos. Nestes casos, não houve uma diminuição da massa, mas um aumento menor que o do IPK. Fica evidente então a dificuldade em definir-se um padrão baseado num objeto físico; qualquer alteração no objeto, mesmo que pequena e lenta, implica em alteração no processo de medida. Mais ainda se pensarmos em processos de medida na escala atômica, para a qual estas diferenças de massa não são sequer pequenas.

Várias propostas foram feitas para uma definição mais elegante do quilograma, em geral, dadas em termos de alguma grandeza física fundamental, analogamente ao que foi feito com o metro. Na 17ª reunião do CIPM, de 1983, ficou estabelecido que 1 metro é a distância percorrida pela luz em c-1 segundos, sendo a velocidade da luz fixada exatamente em c = 299.792.458 m/s. Assim, o metro foi redefinido em termos de uma constante universal, a velocidade da luz. Foi sugerido que o quilograma fosse o correspondente a 1,097769238499215084016780676223 x 1030 me, sendo me = 9,1093826 x 10-31 kg a massa do elétron, um valor exato. Foi sugerido também (Projeto Avogadro) que o quilograma fosse a massa de NA/0,012 átomos de carbono 12, com o número de Avogadro fixado em NA = 6,02214076 x 1023 mol-1. E foi sugerido que o quilograma fosse a massa correspondente a um comprimento de onda de Compton λ=h/c, sendo a velocidade da luz fixada como acima e a constante de Planck fixada em h = 6,62607015 x 10-34 J⋅s. Neste caso, a definição do quilograma fica dada em termos da constante de Planck, uma vez que o valor de c já é exato.

ℏ = h/2π

Na 26ª reunião do CIPM, de novembro de 2018, será votada a Resolução A, onde se lê:

“O quilograma, símbolo kg, é a unidade de massa do SI. É definido tomando o valor numérico fixo da constante de Planck h como sendo 6,62607015×10-34 quando expresso na unidade J⋅s, que é igual a kg⋅m2⋅s-1, onde o metro e o segundo são definidos em termos de c e ΔυCs.”

Faltou só eu dizer para vocês o que é ΔυCs: a frequência emitida pelos níveis hiperfinos do estado fundamental não-perturbado do césio 133, cuja frequência é fixada no valor 9192631770 Hz. O inverso desta frequência é a definição de 1 segundo (s).

A alteração na definição do quilograma trará um avanço muito significativo para os cientistas no estabelecimento de um padrão internacional para as medidas de massa, mas o leitor pode ficar tranquilo que a mudança lhe passará imperceptível. E não teremos, por conta disso, um “quilinho a menos” neste verão.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Internet.

Para saber mais:

Wikipedia – Kilogram

Revista da Fapesp

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