O impacto do desmatamento na Amazônia em uma população de Rã-de-corredeira na mata atlântica (V.7, N.4, P.3, 2024)

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Tempo de leitura: 6 minutos
#acessibilidade: Três imagens. Na primeira, uma foto aérea da Floresta Amazônica, uma grande floresta verde com um rio sinuoso passando pelo centro. A segunda é de dentro da Mata Atlântica, com varias árvores de diferentes espécies e vários galhos e folhas verdes. Por fim, uma foto de uma rã-de-corredeira, um anfíbio pequeno e verde amarronzado com manchas.

Texto escrito por Rafael Santos Nascimento, João Henrique Pio Elias, Jonathan de Almeida Médici e Ana Beatriz Lopes do Nascimento.

Os rios voadores, também conhecidos como rios atmosféricos, são os trajetos realizados na atmosfera pelas massas de ar em movimento que promovem o transporte do vapor d’agua. Esse fenômeno é criado a partir da umidade que é evaporada do Oceano Atlântico, perto da Linha do Equador, e é direcionada para o interior do continente sul-americano pelos ventos alísios que sopram em direção ao oeste. Essa umidade cai na floresta amazônica em forma de chuva, que é logo evaporada devido às altas temperaturas da região. Esse processo de devolução de umidade para a atmosfera é intensificado pela ação da evapotranspiração das arvores. Assim, o ar é sempre abastecido com mais vapor d’agua e continua sendo guiado pelos ventos alísios em direção ao oeste até encontrar um obstáculo natural: a Cordilheira dos Andes, que forma uma barreira de em média 4 mil metros de altura, impedindo a continuação de seu destino. Dessa forma, parte da umidade é precipitada na encosta leste do conglomerado de montanhas, onde reabastece a Bacia Amazônica e a outra parte é deslocada para o sul, onde promovem chuvas para boa parte do continente, como as regiões centro-oeste, sudeste e sul brasileiras e países vizinhos, como o Paraguai e Argentina (Moss e Moss, 2011).

Portanto, é a partir dos rios voadores que a floresta amazônica estabelece diversas relações com as demais regiões do continente, sendo essencial para o controle do clima e providenciando condições mais amenas decorrentes da umidade atmosférica que transporta para as regiões.

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Figura 1: Diagrama dos rios voadores

Entretanto, a floresta sofre com o desmatamento. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aproximadamente cerca de 729.000,00 km² da floresta amazônica no Brasil, o que representaria cerca de 17% do bioma amazônico, já foram desmatados até o ano de 2020, sendo que, desse total, 300.000 km² foram desmatados nos últimos 20 anos (INPE, 2023). Como os rios voadores necessitam da umidade oriunda das árvores pela evapotranspiração, o desflorestamento indica uma diminuição da umidade ofertada, resultando no fenômeno que é seu esgotamento, o que prejudica o ciclo hidrológico de toda América Latina.

A mata atlântica, considerada um bioma hotspot devido a sua grande biodiversidade e alto grau de ameaça e que é uma das áreas beneficiadas pela umidade amazônica, abriga algumas espécies endêmicas que necessitam de um clima úmido contínuo, como é o caso dos anuros, e mais especificamente, a rã-de-corredeira (Hylodes sazimai). O então comprometimento da umidade recebida pode gerar diversos danos para essa espécie de rã.

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Figura 2: Rã-de-corredeira (Hylodes sazimai)
#acessibilidade: Uma foto de uma rã-de-corredeira, um anfíbio pequeno e verde amarronzado com manchas.

A compreensão desta dependência da espécie com as condições climáticas da mata atlântica, perpassa pelo estudo de seus aspectos fisiológicos, tais como a respiração, a reprodução e sua fase juvenil. Como todos os animais que pertencem a classe dos anfíbios, estes possuem fecundação externa e por isso ovos sem casca, o que possibilita a penetração do espermatozoide, porém o torna vulnerável ao ressecamento, sendo um dos motivos pelo qual a classe se reproduz em períodos chuvosos, quando se formam poças de água. Outro motivo é que a fase juvenil desses animais ocorre exclusivamente em ambiente aquático, dependendo dele para alimentação, locomoção e até respiração, já que nessa fase o organismo possui respiração branquial.

Quando atinge a fase adulta, a dependência do ambiente úmido continua. Devido a sua respiração hibrida, dividida entre uma respiração pulmonar – pouco eficiente por causa a simplicidade e tamanho reduzido de seus pulmões – e a respiração cutânea complementar, que é a obtenção de oxigênio por meio da pele, para possibilitar a captura de oxigênio por difusão simples e sua posterior distribuição para os diversos órgãos. O clima frio e úmido impede a transpiração excessiva, o que causa o ressecamento da pele, complicação de sua respiração e perda de vigor do indivíduo, comprometendo sua sobrevivência.

Em 2022, um estudo realizado por Lucas Ferrante e outros, analisou a dinâmica populacional da espécie de rã Hylodes sazimai, em riachos nos municípios de Areado, Poços de Caldas e Caldas, no sul de Minas Gerais e em Campinas, no estado de São Paulo. Os pesquisadores observaram redução ou até mesmo a ausência total de machos vocalizadores em regiões mais secas, indicando uma menor taxa de reprodução para a espécie, o que implica num menor volume da população de H. sazimai mesmo após o aumento das chuvas.

Também foi percebido pelos pesquisadores a ocorrência de diferenças morfológicas na população de cada localidade de acordo com a disponibilidade de água no ambiente. Em zonas mais úmidas, o fluxo de um riacho, por exemplo (relativamente mais forte do que em regiões mais secas), implica numa pressão ambiental que se volte para a maior adaptabilidade, originando indivíduos maiores e com pernas longas, para um melhor impulso. Enquanto áreas mais escassas em água teriam uma pressão ambiental guiada a conservação de água, resultando na diminuição de características que desperdiçam esse recurso e dando origem a indivíduos menores e com pernas mais curtas. Infelizmente, pode-se concluir a partir da pesquisa que a velocidade e a intensidade das alterações climáticas superam a capacidade adaptativa das populações de H. sazimai, causando uma diminuição de indivíduos maduros, o que previne a criação de novos organismos, “facilitando” a extinção da espécie.

Compreendendo como as chuvas que afetam as dinâmicas populacionais dessa rã se originam a partir dos rios voadores, e como esse transporte de umidade é dependente das arvores da Amazônia, entende-se a ordem de prioridade para as políticas de desmatamento zero, visando de conter a derrubada de árvores da região, a fim de retardar a velocidade das mudanças climáticas e então estabilizar o ciclo hidrológico da região.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Compilação dos autores
Figura 1: Projeto Rios Voadores
Figura 2: Rafael Carvalho de Mattos, 2021

COPERTINO, Margareth; PIEDADE, M. T. F; BUSTAMANTE, I. C. G. V. E. M. Desmatamento, fogo e clima estão intimamente conectados na Amazônia. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 71, n. 4, p. 4-5, nov./2019. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v71n4/v71n4a02.pdf.

Ferrante L, Getirana A, Baccaro FB, Schöngart J, Leonel ACM, Gaiga R, Garey MV, Fearnside PM. Effects of Amazonian flying rivers on frog biodiversity and populations in the Atlantic rainforest. Conserv Biol. 2023 Jun;37(3):e14033. doi: 10.1111/cobi.14033
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS LOGOTIPO DO INPE MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Perguntas Frequentes. Disponível em: http://www.inpe.br/faq/index.php?pai=6.

Lima, B. C., Francisco, C. N., & Bohrer, C. B. de A. (2017). DESLIZAMENTOS E FRAGMENTAÇÃO FLORESTAL NA REGIÃO SERRANA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ciência Florestal, 27(4), 1283–1295. https://doi.org/10.5902/1980509830321.

MOSS, GÉRALD; MOSS, MARGI. Caderno do professor Os rios voadores, Um guia didático para explicar aos seus alunos o que são os rios voadores e por que eles têm tudo a ver com a preservação da Amazônia por sua importante contribuição para as chuvas que irrigam gratuitamente nossas plantações e o clima brasileiro a Amazônia. Editora Horizonte, 34 páginas. Disponível em: http://brasildasaguas.com.br/wpcontent/uploads/sites/4/2013/05/caderno_rios_voadores.pdf.

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