#acessibilidade Visão de uma sala de aula, lousa à frente e fileiras de carteiras vazias.
Se você tem uma criança em idade escolar em casa e tem condições de escolher, já deve ter se questionado inúmeras vezes sobre voltar a levá-la para a escola e se está fazendo a coisa certa. A sinalização de retorno que recebemos do governo foi inicialmente em ensino híbrido, com as famílias optando por enviar ou não as crianças presencialmente, mas com ocupação de no máximo 35% da turma. Pobres professores que tiveram que lidar com toda a adaptação dos planos de ensino primeiro online e depois no híbrido. Minha gratidão aos mestres que cuidaram de nossas crianças até agora e meus mais profundos sentimentos pelas perdas de tantos colegas docentes que ocorreram pelo caminho.
O fato é que o decreto estadual 65849 de 6 de julho de 2021 altera a redação do decreto anterior que dispunha sobre a retomada das aulas e atividades presenciais nas escolas públicas e particulares do estado de São Paulo. As escolas estão autorizadas a retomar as aulas com 100% dos alunos presenciais. Recebi na quarta- feira o comunicado da escola da minha filha e com ele a solicitação de uma carta justificada e assinada para pais que optassem por manter as crianças em ensino remoto. Mas e agora? Como avaliar os riscos? Montando minha justificativa pensei em compartilhar os dados que encontrei e algumas reflexões.
Bom, é inegável que a privação da escola trouxe problemas de desenvolvimento, saúde física e mental e de socialização para nossas crianças. Diferenças na faixa etária, estrutura familiar e financeira influenciaram a intensidade com que foram afetadas e, também, suas características individuais. Todo mundo concorda que é importante voltar a frequentar a escola e que a escola é muito mais do que conteúdo. Mas qual é o tamanho do risco desse retorno, nesse momento?
A Covid-19, doença causada pelo vírus SARSCOV-2 foi descoberta em dezembro de 2019 na China e rapidamente transformou-se em uma pandemia que levou à morte quase 560 mil pessoas até agora, só no Brasil. É altamente transmissível, muito mais do que as doenças respiratórias com as quais já estamos acostumados, como a gripe por exemplo. A transmissão ocorre de maneira similar, quando tocamos superfícies contaminadas ou respiramos partículas virais diretamente do ar. Por ser altamente transmissível, muita gente fica doente, algumas mais gravemente e o número de fatalidades aumenta. Como ainda não existe remédio que previna ou trate a Covid-19, a melhor maneira de conter a doença é tentando não se infectar e tomando as vacinas disponíveis. As medidas mais efetivas para evitar infecção são o isolamento, o distanciamento social e o uso de máscaras. Respirar o vírus é o maior problema. Assim, quanto maior a circulação de ar, menor o risco. Estar em um ambiente fechado, sem máscara, por mais de uma hora e com muitas pessoas é a situação mais arriscada possível (Hum…isso é uma sala de aula). O risco diminui quanto mais aberto for ou melhor circulação de ar houver no ambiente, quanto menor o número de pessoas, quanto menos tempo for compartilhado e se as pessoas estiverem usando máscaras de boa qualidade e corretamente.
Estamos lidando com a doença aqui no Brasil desde fevereiro de 2020, passamos por um período de quarentena com adesão relativamente alta nos primeiros meses que foi arrefecendo paulatinamente ao longo do tempo, mesmo com números de casos e óbitos aumentado muito intensamente. Investimentos mundiais maciços levaram ao desenvolvimento de vacinas com diferentes tecnologias contra a Covid-19 e a vacinação finalmente começou no Brasil no final de janeiro de 2021. Hoje temos no estado de São Paulo cerca de 60% da população vacinada com a primeira dose e cerca de 20% com o esquema de vacinação completo. A vacinação de primeira dose em São Paulo está ocorrendo entre pessoas de 18 anos ou mais e deve atingir adolescentes a partir de 12 anos até setembro. O Butantã solicitou à Anvisa a inclusão de crianças de 3 a 17 anos na lista de imunização diante dos bons resultados obtidos em eficácia e segurança. Em breve nossos filhos também estarão vacinados.
Embora a vacinação seja de fato uma boa notícia, vacinas dependem da cobertura vacinal, ou seja, quanto mais gente vacinada, menor o número de casos. Além disso, a vacinação contra Covid-19 é bastante eficiente contra casos graves que envolvam internação e eventualmente óbito. Mas não é tão eficiente assim contra a infecção. Vacinados podem contrair Covid-19, normalmente na forma leve, e e, podem transmitir a doença a não vacinados. Essa situação também favorece o surgimento de variantes, que podem ser mais contagiosas ou até mais letais que as anteriores.
No momento, embora tenhamos vacinação ocorrendo em diversos países do mundo e cobertura vacinal acima de 60% em muitos deles, estamos observando novo aumento no número de casos em decorrência do surgimento e dispersão da variante Delta na Europa, Estados Unidos e China. As medidas restritivas nesses países estão sendo retomadas devido ao aumento de casos e óbitos. E agora? Vamos viver eternamente confinados? Não. Na verdade, o grande erro foi liberar as medidas restritivas cedo demais. Estamos todos tão cansados! Estamos no caminho certo para finalmente ultrapassarmos a pandemia. A Covid-19 vai provavelmente persistir entre nós, exigir vacinação anual, vamos provavelmente conviver com ela como fazemos com a gripe. A gripe mata cerca de 300 a 500 mil pessoas anualmente no mundo e a gente não têm medo de sair de casa por causa dela. Tudo bem que até agora a Covid-19 levou à morte mais de 4 milhões de pessoas no mundo. Acho que os números justificam um pouco de medo, não? Para uma convivência mais harmoniosa, precisamos baixar o número de casos. E isso deve acontecer quando a maior parte da população estiver vacinada, evitando grandes aglomerações e usando máscara corretamente em locais públicos, especialmente quando houver pouca circulação de ar. Com poucos casos não haveria problema em mandar as crianças para a escola. Risco calculado e controlado, boas chances de sucesso. Mas que fique claro: ainda não chegamos lá.
Estamos observando um relaxamento da população em relação às medidas de contenção da Covid-19. E infelizmente isso acontece quando a variante Delta, mais transmissível e com maior chance de reinfecção, passa a ser transmitida comunitariamente em São Paulo. As pessoas estabeleceram para si que estando vacinadas, estão seguras, quando na verdade estão mais seguras do que alguém que não se vacinou, mas vacinas não são infalíveis e. E são menos eficazes ainda se você tomar uma dose só! O pessoal não está voltando para tomar a segunda dose! Ainda, quanto mais o vírus circula, pior para os não vacinados. Um vacinado tem pelo menos cerca de 56% menos chance (vai depender da vacina e da variante do vírus) de pegar Covid-19 que um não vacinado. O fluxo natural é que os novos casos ocorram mais frequentemente entre os não vacinados. E é aqui que mora uma de minhas preocupações. Quem são os não vacinados agora? Nossas crianças. Ah, mas a letalidade nessas faixas etárias é baixa. Sim, mas ninguém quer uma criança doente. Ainda, se só houver crianças a serem contaminadas a pressão seletiva será favorável a variantes mais eficazes a contaminar crianças. Ai, Ai, ai.
Mas então, como decidir? Bom, você pode analisar os dados dos boletins diários do seu município. Como estão os casos? Diminuindo? Os adultos que convivem com a criança na escola e em casa já estão vacinados com o esquema vacinal completo (normalmente duas doses e mais uns quinze dias)? No esquema híbrido do primeiro semestre de 2021 houve casos de Covid-19 na escola ou na turma de seu filho? Quão frequentemente? Como a escola lidou com isso? Casos numerosos podem indicar problemas nos protocolos de segurança da escola, por exemplo. Como seu filho ou filha lida com o ensino remoto? Gosta? Ou sofre? Como se sente diante da falta de contato com os amigos? Mental e emocionalmente está lidando bem ou está com dificuldades evidentes ou necessitando de ajuda profissional? A resposta a essas questões é muito individual e pode te ajudar a definir se já é hora ou não de voltar.
No estado de São Paulo a média de mortes semanal está caindo já háa algumas semanas. A ocupação dos leitos de UTI diminuiu para 55%. A pergunta que não quer calar é: será que não estamos passando exatamente pela queda na curva observada na Europa e cometendo exatamente o mesmo erro? Liberando as medidas de segurança, ainda que informalmente, e a presença 100% nas escolas formalmente? Quantas famílias saíram de férias se expondo e estarão voltando para o trabalho e escola nesse momento? Qual será nosso destino? A manutenção da curva baixa ou uma nova onda? Difícil responder. Fato é que o número de vacinados está aumentando e o inverno acabará em breve e com ele a incidência alta de doenças respiratórias. Ao esquentar as pessoas estão mais afeitas a áreas abertas e manter locais ventilados. O futuro parece promissor. Diante das perguntas e dados acima, hoje ainda escolhi deixar minha filha em estudo remoto. Temos o privilégio de poder decidir uma semana por vez. Se você decidiu diferente de mim, suas respostas foram diferentes das minhas e tudo bem. E se você não pode escolher e seu filho vai para a escola, saiba que estou fazendo minha parte para que ele esteja seguro e você se sinta em paz.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Background vector created by pikisuperstar – www.freepik.com
Assembleia legislativa do Estado de São Paulo: https://www.al.sp.gov.br/norma/199000
Covid-19 Data Repository, Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University: https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19
Fundação Oswaldo Cruz: https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-sugere-maior-risco-de-reinfeccao-pela-variante-delta
Governo do estado de São Paulo, Vacinômetro: https://vacinaja.sp.gov.br/vacinometro/
Governo do estado de São Paulo, Imunização: https://www.saopaulo.sp.gov.br/noticias-coronavirus/sp-antecipa-vacinacao-de-adultos-e-imuniza-adolescentes-a-partir-de-18-de-agosto/
Organização Pan-america de saúde, Informativo Covid-19: https://www.paho.org/pt/covid19
Organização Pan-america de saúde, Histórico da pandemia de Covid-19: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19
Paget et al. 2019. Global mortality associated with seasonal influenza epidemics: new burden estimates and predictors from the Glamor Project. J Glob Health.9(2): 020421. doi: 10.7189/jogh.09.020421
Para saber mais:
Universidade Federal do ABC, Coronavírus: https://www.ufabc.edu.br/component/tags/tag/coronavirus
Guia dos Entusiastas da Ciência, especial Coronavírus: https://gec.proec.ufabc.edu.br/tag/covid19/