Existe mesmo uma teoria física dizendo que o universo é um holograma? (V.7, N.11, P.2, 2024)

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Tempo de leitura: 6 minutos
#acessibilidade: A imagem mostra o planeta Terra feito com finos traços de luz azulada.

Texto escrito pelo colaborador Pedro Silva

É provável que você já tenha ouvido falar em algum lugar sobre a ideia de que o universo é um holograma. Essa sugestão costuma aparecer em discussões sobre como o universo é de verdade e normalmente aparece junto com outras dúvidas intrigantes como “será que vivemos em uma simulação?” ou “será que nosso universo é parte de um universo maior?”. Vamos entender se isso tudo faz algum sentido e, mais importante, se existe mesmo algum conceito científico por trás dessas sugestões.

Antes de irmos mais fundo, vamos entender melhor o que é um holograma. Quando olhamos para uma foto comum só conseguimos ver duas dimensões: altura e largura. A noção de profundidade que percebemos é resultado apenas de detalhes como luz e sombras, não temos realmente acesso a essa terceira dimensão. Se a foto é de um rosto, por exemplo, não podemos virá-la e enxergar a nuca da pessoa. Já em um holograma todas as três dimensões são representadas igualmente, podemos muito bem dar a volta na imagem e ver os detalhes em todos os ângulos imagináveis.

O mais interessante é que esses hologramas, mesmo sendo imagens tridimensionais, podem ser reproduzidos a partir de objetos bidimensionais. É como se a imagem estivesse saltando para fora da superfície plana. Quem já viu os tazos holográficos que vinham de brinde em pacotes de salgadinho deve lembrar bem disso. 

Hologramas são comuns em filmes de ficção científica, mas também possuem aplicações no mundo real (além dos tazos, claro). Por exemplo, as cédulas de dinheiro têm desenhos holográficos para dificultar falsificações. Em 2012, no festival musical Coachella, um holograma do rapper Tupac (que morreu em 1996) se apresentou no palco interagindo com pessoas de carne e osso. E há até tecnologias de armazenamento de dados que usam holografia para aumentar a capacidade de guardar informações em dispositivos de memória. Isso só para citar algumas aplicações.

Foi durante os estudos sobre buracos negros que algumas dessas ideias sobre holografia ganharam significados fascinantes. Buracos negros são objetos complicados e difíceis de analisar, já que aparentemente nada escapa deles, logo não dá para saber o que acontece em seu interior. Isso quer dizer que toda a informação que entra em um buraco negro parece desaparecer para sempre. Mas isso vai contra um princípio importante na física, que diz que a informação não pode ser criada ou destruída, apenas modificada. Então, se a informação entra em um buraco negro, ela tem que estar em algum lugar.

Na década de 1970, físicos como Jacob David Bekenstein e Stephen Hawking propuseram algumas ideias inovadoras sobre buracos negros. Eles conseguiram demonstrar que toda a quantidade de informação de um buraco negro estava contida na área da sua superfície. A princípio isso é bem estranho, já que normalmente a informação depende da quantidade de material em que ela está contida, ou seja, do seu volume (uma quantidade tridimensional), não da área (que é bidimensional). É como se você pudesse captar toda a informação de um livro só olhando para a sua capa, ao invés de folhear suas páginas por completo.

Imagine que você tem duas caixas cúbicas com 1 metro de altura, de largura e de profundidade. Se fizermos uma conta simples vamos descobrir que cada caixa tem 1 metro cúbico de volume, que no fim é o quanto de conteúdo cabe dentro dela. Já a área da superfície de cada cubo é de 6 metros quadrados. Agora vamos juntar essas caixas em uma só como na imagem. Essa caixa ampliada agora tem 2 metros cúbicos de volume, o mesmo volume que tínhamos somando as duas caixas separadas. Tudo normal até aí. Porém a área de superfície da caixa ampliada agora é de 10 metros quadrados, enquanto a soma da área das caixas separadas era 12 metros quadrados. Para onde foram esses 2 metros quadrados de diferença?  Então, pensando na prática, como a quantidade de informação dentro de algum objeto poderia depender da área, se ela pode simplesmente se perder assim? Esse é mais um item para a lista de mistérios ainda não resolvidos envolvendo buracos negros.

image1 - Existe mesmo uma teoria física dizendo que o universo é um holograma? (V.7, N.11, P.2, 2024)
Diagrama mostrando duas situações: na lado esquerdo, duas caixas cúbicas com 1 metro de lado, cada uma possui 6 metros quadrados de área superficial e 1 metro cúbico de volume; no lado direito, uma única caixa formada pela junção dos dois cubos, que agora possui 10 metros quadrados de área e 2 metros cúbicos de volume.

O ponto mais importante para a nossa discussão é a ideia de que no caso do buraco negro uma quantidade que era para depender de algo tridimensional está codificada em uma propriedade bidimensional. Isso lembra algo? Gerardus ‘t Hooft e Leonard Susskind formalizaram melhor a matemática por trás dessa ideia e propuseram o princípio holográfico, que estabelece justamente que informações em uma dimensão maior podem ser completamente armazenadas em dimensões menores. Dessa forma, olhando na dimensão menor saberíamos coisas sobre a maior e vice-versa.

Esse princípio caiu como uma luva para várias áreas da física. Acontece que algumas contas podem ficar muito difíceis conforme aumentamos a quantidade de dimensões. Parece fácil analisar o movimento de um pêndulo que só vai para frente e para trás, agora imagine se ele balança para os lados também, ou pior, balança para frente e trás, para os lados e para cima e para baixo. Em outros casos é o contrário, aumentar as dimensões torna as coisas mais fáceis. Por esses motivos seria maravilhoso se pudéssemos calcular o que precisamos no caso mais simples (seja o de dimensão maior ou menor) e depois só fazer uma equivalência para a sua correspondente de dimensão diferente.

Existem algumas hipóteses e teorias físicas que só fazem sentido em dimensões espaciais maiores que três, como é o caso da teoria das cordas, que na sua versão mais completa precisa de 11 dimensões para funcionar. Isso pode parecer desmotivador, afinal nosso universo não vai tão longe no número de dimensões, até onde sabemos. Contudo, pensando pelo lado da holografia, essas teorias poderiam então ser manifestações em dimensões maiores de fenômenos perfeitamente plausíveis e equivalentes com o nosso mundo, só que ainda desconhecidos por nós.

Uma das mais promissoras aplicações do princípio holográfico está na correspondência AdS/QCD, também chamada de QCD holográfica. A QCD, sigla em inglês para cromodinâmica quântica, é a teoria que explica como os átomos são formados e como ficam juntos. Porém existe um limite de até quando conseguimos investigar a QCD, a partir de certo ponto tudo na teoria fica tão extremo que nenhum método conhecido pela física atual consegue gerar um resultado coerente. Então encontrar alguma teoria em dimensão maior que seja o correspondente holográfico à QCD poderia ajudar muito: basta fazer as contas nessa teoria mais simples, depois traduzir os resultados para a QCD, que já está na nossa quantidade de dimensões habitual.

Portanto, a ideia do universo como um holograma vem a partir de todas essas ideias que vimos no decorrer do texto. Não quer dizer necessariamente que somos projeções de um mundo bidimensional ou criações de alguma simulação, apenas que o jeito como vemos o universo pode ser o resultado de fenômenos que existem em dimensões diferentes da nossa. Quem sabe todas as leis da física sejam apenas uma manifestação de princípios que existem em cinco, seis ou mais (ou talvez até menos) dimensões. 

Pensar que tudo que nós tocamos, vemos e experimentamos seriam reflexos, ou melhor, projeções holográficas de processos em um mundo com dimensões diferentes pode ser intrigante e talvez até um pouco assustador, só que não precisamos entrar em crise existencial com isso por enquanto. O princípio holográfico ainda é relativamente novo e precisa de experimentos para ser comprovado, então por enquanto podemos apenas curtir as especulações e devaneios sobre o tema.

Fontes:

Imagem destacada: Kevin Gill. Hologram Earth. Creative Commons
‘t Hooft, Gerard. Dimensional Reduction in Quantum Gravity. 1993. https://arxiv.org/abs/gr-qc/9310026.
Susskind, Leonard. The world as a hologram. 1994. https://arxiv.org/abs/hep-th/9409089
Bousso, Raphael. The holographic principle. 2002. https://arxiv.org/abs/hep-th/0203101

Para saber mais:

Como nosso universo poderia emergir como um holograma 

Outros divulgadores:

Ciência todo Dia. O Universo é um HOLOGRAMA?

 

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