Darwin na atualidade: sua teoria evolutiva ainda é válida? (V.4, N.4, P.3, 2021)

Facebook Instagram YouTube Spotify
Tempo de leitura: 8 minutos
#acessibilidade Imagem contendo o esboço da árvore da vida do caderno de notas de Charles Darwin, em 1837. Nele há sua teorização sobre a origem das espécies, incluindo seu famoso esboço da árvore da vida, onde Darwin mostra seu primeiro insight teórico de como um gênero de espécies relacionadas pode se originar por divergência de um ponto de partida (1). As anotações do texto dizem (em tradução livre): “Eu acho que…O caso deve ser que uma geração deveria ter tantos seres vivos quanto agora. Para fazer isso e ter muitas espécies no mesmo gênero (como está), é necessária a extinção.”

Texto escrito pelos colaboradores João de Luca Refundini, Najla Santos Pacheco de Campos, Patrícia da Silva Souza, Roberto Gutierrez Beraldo, Thais Sayuri Iguma e Luciana Campos Paulino no contexto da disciplina “Evolução” ministrada pela Professora Luciana Campos Paulino durante o Quadrimestre Suplementar de 2020 na UFABC

Você já imaginou porque existem abelhas operárias estéreis e como essa característica contribui para sua evolução? Você sabia que experimentos com embriões humanos têm revelado a possibilidade de corrigir mutações responsáveis por doenças? Como o desenvolvimento de técnicas modernas de edição gênica poderiam influenciar numa possível evolução das espécies? Dado o alcance da Biologia durante os séculos XX e XXI, podemos nos perguntar: afinal, os novos conhecimentos modificaram a compreensão do processo evolutivo proposto por Darwin?

Desde que Darwin publicou seu livro “A origem das espécies”, no século XIX, a ciência avançou muito, com o desenvolvimento de teorias e métodos muito além do que havia se imaginado na época. Antes dele, outros pensadores não descartavam a ideia de que as espécies passavam por um processo evolutivo, mas nenhum foi efetivo em propor um mecanismo que o explicasse de maneira correta. Lamarck, por exemplo, defendia a herança de caracteres adquiridos, ou seja, de que uma característica que o indivíduo obtivesse em vida seria passada para os seus descendentes. Sugeriu também que a evolução seria um processo linear resultando em seres cada vez mais complexos, o que hoje sabemos que não é necessariamente verdade.

As ideias propostas por Darwin sobre a evolução através da seleção natural marcaram fortemente o mundo e até hoje são objetos de muita discussão. Não é de se surpreender que, com a publicação do seu trabalho, um murmúrio tenha tomado conta da comunidade acadêmica e da sociedade. À época de Darwin, o pensamento da sociedade era baseado na crença de que Deus controlava todos os processos naturais. Aceitar as ideias de Darwin implicava em admitir que as espécies passavam por processos de transformação, e não eram fixas como pressupunham os religiosos. Darwin propôs a seleção natural como um mecanismo para a evolução. Em uma população pode haver indivíduos com diferentes características, e algumas delas podem ter maiores chances de deixarem descendentes do que outras. Por exemplo, roedores que tenham cor de pelo parecida com a cor do solo terão maiores chances de escapar de predadores do que roedores com cores diferentes do solo, pois estes serão visualizados mais facilmente pelos predadores. Se a cor do pelo for uma característica genética, então os filhotes dos roedores que escaparam dos predadores herdarão a cor parecida com o solo de seus pais, e serão a maioria da população.

Entretanto, a falta de proposições satisfatórias sobre hereditariedade (transmissão de certas características de pais para filhos) e gradualismo (uma mudança grande acontecer através de diversas mudanças pequenas) não sustentavam a ideia de que características favoráveis passassem para as gerações seguintes, num determinado ambiente, enquanto as desfavoráveis não. O próprio Darwin, no final de sua obra, se referiu a essas críticas numa forma de tentar contorná-las com o conhecimento que havia até então.

As principais críticas ao gradualismo se referiam ao fato deste ser improvável de acontecer devido à falta de aptidão dos estados intermediários. Por exemplo, na evolução de asas em um pássaro, como um estágio intermediário de uma asa seria favorável? Darwin sugeriu que os órgãos complexos seriam passíveis de modificação, desde que as mudanças intermediárias fossem melhores que as anteriores. Assim, um estado intermediário de uma asa seria favorável não apenas se o animal conseguisse voar, mas se por exemplo, amortecesse a queda de um ninho. Os experimentos de Gregor Mendel com ervilhas foram realizados em meados de 1860, quando Mendel detectou a transmissão de fatores parentais para os descendentes, porém passaram-se décadas sem grande impacto no meio científico. O trabalho foi redescoberto no século XX e permitiu o primeiro passo para a explicação de como se dava a passagem de características entre gerações, que era uma lacuna na teoria darwiniana. Em 1909, os “fatores” de Mendel foram denominados “genes”, como os conhecemos hoje. Nas décadas de 1930 e 1940, diversas áreas ampliaram os conhecimentos do darwinismo clássico, como os campos da paleontologia e da sistemática (ciência que estuda e classifica organismos com o objetivo de reconstruir as suas histórias evolutivas e as relações entre diferentes espécies). Nascia assim a ‘teoria sintética moderna’, a união do pensamento de Darwin e da concepção de herança de Mendel para explicar a evolução das espécies.

Sob a luz da descoberta da estrutura do DNA, em 1953, e dos genes como seus integrantes, a ideia de que os organismos têm capacidade de sofrer alterações através de variantes genéticas (mutações) pôde ser melhor compreendida. As mutações aleatórias e herdáveis não eram conhecidas por Darwin, mas se tornaram um pilar para a teoria evolutiva como sendo a origem da variabilidade genética e uma força evolutiva em si. As mutações podem alterar a composição genética de uma população ao longo de gerações ao perpetuar variantes. A seleção natural seria um dos agentes que impulsionaria essas mutações como uma fonte de variabilidade, permitindo que certas combinações pudessem ser preservadas no curso da evolução.

Mas quem seria o beneficiado pela seleção natural? O indivíduo? A espécie? Darwin, a princípio, sugeriu que os indivíduos melhor adaptados ao ambiente tivessem vantagens em relação aos outros da mesma espécie, deixando mais descendentes. Entretanto, ao se deparar com a questão da esterilidade das abelhas operárias, Darwin se viu num impasse. Afinal, como seria possível haver seleção natural em indivíduos incapazes de se reproduzir? Para este caso, Darwin propôs que a seleção natural atuaria sobre o grupo inteiro e que cada indivíduo agiria em razão do bem coletivo daquela população, em detrimento de si próprio, uma demonstração de altruísmo. Com a descoberta da genética, muitos cientistas passaram a defender o gene como unidade de seleção natural. Afinal, só é possível haver adaptação nas unidades da natureza que apresentem herdabilidade. Com isso, a questão da esterilidade das abelhas poderia ser facilmente explicada pela seleção de genes, uma vez que há compartilhamento de genes entre as operárias (estéreis) e a rainha (reprodutora). O próprio comportamento “kamikaze” das operárias deixaria de ser visto como altruísta, uma vez que a rainha atua como receptáculo dos genes de todo o enxame. Dessa forma, pode-se observar que, mesmo que Darwin não soubesse exatamente o nível de atuação da seleção natural, seu mecanismo ainda se mantém consistente até hoje.

Uma das principais características da evolução darwiniana é a de que o ambiente não pode causar modificações herdáveis nos indivíduos, indo de contramão às ideias lamarckianas. Entretanto, em meados de 1950, Conrad Waddington cunhou o termo “epigenética” (acima da genética) para designar as interações que poderiam haver entre o ambiente e os genes. Apesar de controverso, diversas evidências indicam a possibilidade do ambiente ser capaz de gerar alterações transmissíveis entre gerações. Pesquisadores descobriram que a “memória celular” herdável não estava diretamente relacionada aos genes em si, e sim à expressão gênica (o processo no qual as informações contidas no DNA são utilizadas para produzir RNA e proteínas). Em outras palavras, imagine que haja uma receita de bolo de cenoura herdada de sua mãe. Nela está dizendo para ser feito com açúcar refinado e calda de chocolate. Entretanto, você tem diabetes, e decide fazer sem chocolate e trocar o açúcar por adoçante. Se você tiver um filho que também tenha diabetes, e passar a receita pra ele, ele também irá preparar o bolo como você. Fazendo uma analogia com a epigenética, seria como se a receita fosse a informação genética, passada de geração a geração, e o “ambiente” (o fato de você e seu filho serem diabéticos) fez com que alterasse a forma de interpretar a receita. E esse fator também foi passado ao seu filho. Ainda não se tem conhecimento do verdadeiro potencial desse mecanismo, porém, ao que se indica, os genes não são as únicas unidades herdáveis da natureza.

As descobertas não pararam por aí. Na década de 1980, a técnica de reação de cadeia da polimerase, conhecida como PCR, permitiu amplificar uma molécula de DNA em milhões ou bilhões de cópias. Com isso, o estudo do DNA em detalhes foi facilitado e o PCR pôde ser utilizado em conjunto com técnicas de sequenciamento do DNA, isto é, a determinação da informação genética na molécula de DNA. A partir disso, os cientistas conseguiram descrever a variação de DNA e de proteínas entre as mais diversas espécies. Um dos resultados mais importantes veio de projetos de sequenciamentos completos de DNA de uma espécie, o seu genoma, incluindo o sequenciamento do genoma humano. A necessidade de ferramentas computacionais para analisar dados biológicos em grandes quantidades deram origem à nova disciplina da bioinformática. Outro desenvolvimento importante foi o da internet: uma rede de alcance global possibilitou a interação de grupos de pesquisa do mundo inteiro, com a disponibilização e compartilhamento de bases de dados, ampliando-se a capacidade investigativa de diversos problemas relevantes para os processos evolutivos.

Todas essas descobertas não negaram a existência da seleção natural, pelo contrário, trouxeram mais evidências de sua ocorrência. O que podemos especular sobre o futuro da seleção natural? Com o surgimento de novas tecnologias que possibilitam a edição do código genético, a adaptação de uma população ao seu ambiente pode ser drasticamente alterada pelo ser humano. Um exemplo é a técnica de CRISPR-Cas9, que funciona como tesouras genéticas que permitem cortar partes específicas do DNA e ainda fechar as pontas do que sobrou, permitindo uma edição bem localizada. As consequências para as populações de seres vivos ainda deverão ser acompanhadas e entendidas à luz da evolução. Desta maneira, pode-se observar que, assim como em todas as áreas do conhecimento, a teoria da evolução está sujeita a modificações. Apesar de outras forças evolutivas que atuam sobre as espécies terem sido elucidadas, não há dados que refutem a ocorrência da seleção natural.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Charles Darwin, Public domain, via Wikimedia Commons

DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Ubu Editora, 2018. 800 p. Tradução por Pedro Paulo Pimenta.

DAWKINS, Richard. The selfish gene. Oxford University Press, 2016.

GRIFFITHS, Anthony J. F. Introdução à genética. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. 9ª ed. p.2

RIDLEY, Mark. Evolução. Porto Alegre: Artmed, 2007. p.118-119

Para saber mais:

https://revistapesquisa.fapesp.br/carlos-guerra-schrago-teoria-e-pratica-da-evolucao/

https://revistapesquisa.fapesp.br/teoria-em-movimento/

https://revistapesquisa.fapesp.br/novas-origens/

https://revistapesquisa.fapesp.br/o-risco-das-mutacoes/

https://revistapesquisa.fapesp.br/cerebro-neandertal-em-laboratorio/

https://ufabcdivulgaciencia.proec.ufabc.edu.br/2020/08/05/como-chegamos-a-uma-sintese-estendida-da-evolucao-v-3-n-8-p-2-2020/

Outros divulgadores:

Vídeo P.C.R.Evo [5] – Evolução é “só” uma teoria? Por que não é lei? do Canal do Pirulla no YouTube

http://www.harpercollins.com.br/livro/darwin-sem-frescura/

https://www.nationalgeographic.com/science/2018/09/darwin-evolution-crispr-microbiome-bacteria-news/

Compartilhe:

Leave a Reply

Your email address will not be published.Required fields are marked *