#acessibilidade: A imagem mostra a distribuição de espécies EDGE na Árvore da Vida dos vertebrados. Trata-se de um diagrama circular de uma árvore filogenética mostrando relações evolutivas entre grandes grupos de vertebrados, com fotos ao redor representando cada um deles: mamíferos, aves, crocodilianos, tartarugas, anfíbios, tubarões e raias, e peixes ósseos. (Fonte: https://www.edgeofexistence.org/science/current-research/)
Texto escrito pelos colaboradores Bruna de Paula Stricker, Davi Teles, Anderson Alves-Araújo, Elton John de Lírio
Utilizando uma abordagem científica para identificar algumas das espécies mais singulares, extraordinárias e negligenciadas na biodiversidade do planeta, o método “EDGE” (do inglês, Evolutionarily Distinct and Globally Endangered) é usado como forma de priorizar a conservação de espécies consideradas evolutivamente distintas e globalmente ameaçadas de extinção na natureza. O método foi criado em 2007 pela Zoological Society of London, e logo tornou-se uma iniciativa de conservação global para proteção de espécies. Atualmente, as listas EDGE já incluem mais de 400 mil espécies de diversos grupos de seres vivos. Do mundo animal, estão contemplados mamíferos, anfíbios, répteis, aves, tubarões, raias e corais, enquanto que das plantas, as gimnospermas foram as primeiras a serem incorporadas ao programa, com angiospermas sendo adicionadas esse ano.
Mas o que significa ser evolutivamente distinto?
As espécies EDGE possuem poucos “parentes” próximos no que chamamos, metaforicamente, de Árvore da Vida — que ilustra os caminhos evolutivos e relações de ancestralidade compartilhadas pelas espécies no nosso planeta (Figura 1). Frequentemente, essas espécies apresentam características excepcionais em sua aparência física, modo de vida, comportamento e/ou composição genética, constituindo uma parte única e insubstituível da herança natural do planeta — como se fossem galhos isolados em uma árvore. Porém, apesar de sua singularidade, uma parcela preocupante se encontra à beira da extinção.

#acessibilidade: Trata-se de uma ilustração antiga de uma árvore com tronco e ramos, simbolizando a evolução das espécies na Terra. A base do tronco mostra organismos simples, como Monera e Protistas. O tronco inclui vermes, moluscos, até chegar em animais cordados. A partir daí, os ramos se dividem em vertebrados: peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, e no ápice, o que seria a representação do homem. Cada ramo contém etiquetas indicando os respectivos grupos taxonômicos (como ‘Insects’, ‘Reptiles’).
Como a métrica EDGE é calculada?
Nesse método, uma pontuação EDGE é calculada para cada espécie, sendo avaliada de acordo com dois critérios: Distintividade evolutiva (ED) e Ameaça global (GE). A medida de ED considera o quanto uma espécie é evolutivamente única, ou seja, quanta história evolutiva ela representa. Espécies com altos valores de ED são aquelas que, no geral, possuem linhagens evolutivas longas e isoladas, diferindo bastante das demais, conforme discutido no parágrafo anterior (Figura 2, à esquerda).
Já GE, descreve o quão ameaçada essa espécie se encontra, e baseia-se na categoria de ameaça atribuída ao táxon na Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) — considerada a principal referência global para avaliar o risco de extinção das espécies. Táxons avaliados nas categorias “Vulnerável (VU)”, “Em Perigo (EN)” ou “Criticamente Em Perigo (CR)” apresentam os maiores valores de GE (Figura 2, à direita).

#acessibilidade: Imagem dividida em duas partes. À esquerda, uma árvore filogenética simples, com ramos pretos e um ramo isolado destacado em vermelho, no qual há uma ave. À direita, um gráfico da Lista Vermelha da IUCN mostrando a distribuição das categorias de ameaça (LC, NT, VU, EN, CR, DD e NE), em função dos valores de GE. Quanto maior o nível de ameaça da categoria, maior o GE no gráfico.
A combinação desses dois critérios gera uma pontuação final para cada espécie, permitindo a criação de listas prioritárias que revelam a quantidade de história evolutiva que potencialmente pode ser conservada ao evitar a extinção dessas espécies. Assim, essa abordagem é crucial para permitir que projetos de conservação direcionem seus recursos, geralmente limitados, a espécies que têm um grande valor evolutivo e correm um maior risco de desaparecer num futuro próximo.
Animais na lista EDGE
Um exemplo notável é o Zaglossus attenboroughi, também conhecido como equidna-de-bico-longo-de-Attenborough. Integrante dos monotremados, um grupo ancestral de mamíferos que põem ovos, a equidna compartilha essa característica apenas com o ornitorrinco, destacando sua singularidade evolutiva. No entanto, sua linhagem divergiu dos ornitorrincos há cerca de 46 milhões de anos, o que reforça que essa espécie representa um ramo bastante distinto na história evolutiva dos mamíferos.
Sua raridade extrema, com apenas um único exemplar coletado cientificamente em 1961, levou muitos a acreditarem que o animal já estava extinto. Porém, em 2023 — sessenta e dois anos após o único registro conhecido — uma expedição à Indonésia capturou imagens do animal em vida livre (Figura 3), o que reforça seu status crítico de ameaça e corrobora sua presença na lista EDGE.

#acessibilidade: Foto em preto e branco feita por armadilha fotográfica mostrando uma equidna-de-bico-longo-de-Attenborough caminhando no solo da floresta. O animal tem bico longo e fino apontando para o chão e corpo coberto por pelos e espinhos visíveis.
Plantas na lista EDGE
Em relação aos grupos vegetais, três espécies de gimnospermas ocorrentes no Brasil se encontram na Lista EDGE, todas com ocorrência na Mata Atlântica, mas cuja distribuição está sendo estudada mais detalhadamente. Duas das espécies pertencem ao gênero Podocarpus (família Podocarpaceae), e são conhecidas como “pinheirinhos-bravos”: Podocarpus sellowii e Podocarpus transiens (para saber mais, leia: “Você já ouviu falar dos pinheirinhos-bravos?”). A outra espécie priorizada pelo método é a Araucaria angustifolia, conhecida popularmente como pinheiro-do-paraná ou araucária (Figura 4).
As gimnospermas correspondem a um dos grupos de organismos vivos mais ameaçados do mundo, com 40% das espécies em alto risco de extinção. Por isso, a inclusão da complexa história evolutiva das gimnospermas nos esforços de conservação é fundamental para a sobrevivência dessas linhagens, que abrangem muitas espécies peculiares e de grande importância ecológica e econômica.

#acessibilidade: Fotografia de uma árvore de Araucária com tronco alto e copa em formato de guarda-chuva.
Mas por que conservar essas espécies?
Conservar um conjunto de espécies tão singulares na natureza é essencial para o equilíbrio e manutenção da dinâmica da vida no planeta. Elas contribuem não apenas para a riqueza da biodiversidade global, como também desempenham papeis importantes na manutenção de seus ecossistemas, garantindo estabilidade a toda uma cadeia de relações ecológicas. No entanto, apesar de sua importância, muitas das espécies EDGE são pouco estudadas, frequentemente negligenciadas e enfrentam ameaças crescentes.
Assim, além de contribuir para a proteção da biodiversidade direcionando esforços de conservação limitados, o método EDGE também estimula pessoas ao redor do mundo ao mostrar que conservar espécies não é apenas salvar animais ou plantas, mas também preservar milhões de anos de história evolutiva do nosso planeta. Ao entendermos que cada espécie EDGE representa um pedaço único do legado da vida na Terra, torna-se mais fácil compreender a importância de agir para evitar a extinção, ajudando a preservar a diversidade evolutiva e genética da vida. Portanto, além de orientar cientistas e conservacionistas na definição de estratégias eficazes para isso, o método também desempenha um papel essencial na educação e sensibilização do público sobre o valor da biodiversidade.
Fontes:
EDGE of Existence. Science: EDGE Lists. https://www.edgeofexistence.org/download-edge-lists/ . Acesso em: 1 mar 2025.
FOREST, Félix Baloch; MOAT, Justin; BALOCH, Elizabeth et al. Gymnosperms on the EDGE. Scientific reports, v. 8, n. 1, p. 6053, 2018. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-018-24365-4
GUMBS, Rikki; CHAUDHARY, Abhishek; DARU, Barnabas H. et al. Indicators to monitor the status of the tree of life. Conservation Biology, v. 37, n. 6, p. e14138, 2023a. Disponível em: https://conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/cobi.14138
GUMBS, Rikki, GRAY, Claudia L., BÖHM, Monika. et al. The EDGE2 protocol: Advancing the prioritisation of Evolutionarily Distinct and Globally Endangered species for practical conservation action. PLoS Biology, v. 21, n. 2, p. e3001991, 2023b. Disponível em: https://journals.plos.org/Plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3001991
MORIB, Gison; TILKER, Andrew; DAVRANOGLOU, Leonidas-Romanos. et al. Attenborough’s echidna was rediscovered by combining Indigenous knowledge with camera-trapping. npj Biodiversity, v. 4, n. 1, p. 1-5, 2025. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s44185-025-00086-6
Para saber mais:
Site EDGE of Existence Programme: https://www.edgeofexistence.org/the-edge-programme/