#acessibilidade: No centro da imagem uma mulher sentada no chão amamentando sua criança de cerca de dois anos. A seu lado uma mochila e brinquedos espalhados no chão. Ao fundo está a cozinha parcialmente visível com a pia cheia de louça. A cozinha está iluminada por uma luz fria, de tom azul e a casa bagunçada, mãe e criança estão iluminadas com uma luz quente, amarelada que fica mais vermelha na altura do seio que amamenta.
Texto escrito com assessoria de Graziela Verdade, fonoaudióloga e consultora de amamentação
Se você se lembra do comercial daquela marca de leite, que na década de 90 vestiu bebês com fantasia de mamíferos e terminava com um fofo e sonoro: Tomou? Você tem idade para ter filhos e pode ter vivenciado de perto o amamentar. Estamos no Agosto Dourado, período mundialmente estabelecido para apoio, promoção e proteção ao aleitamento materno. O assunto é importante e nada trivial, ainda rodeado de mitos e pressões sociais que atingem pesadamente as mães. Mas não só a elas. Assim resolvemos reforçar o tema, apesar dele já ter sido tratado no blog com o texto “Materpério: um nova perspectiva sobre o período da amamentação”.
Que somos mamíferos, já sabemos, e talvez por isso esperemos um amamentar natural e descomplicado. Esse foi o primeiro susto que tomei, quando engravidei. Como podemos ser mamíferos e não sabermos dar de mamar? Pois é! Estava mal informada. Somos mamíferos, mas dentre os mamíferos, somos primatas. Existem inúmeros trabalhos científicos indicando que o amamentar nos primatas exige aprendizado. É frequente que fêmeas inexperientes cativas de macacos, só consigam amamentar seu primeiro filhote com intervenção humana. O amamentar em primatas exige aprendizado, da mãe e do bebê. O que nasce pronto, é o reflexo de sugar, mas o posicionar da boca no seio de modo a permitir a sucção eficiente de leite depende de questões anatômicas do bebê e da mãe. E a experiência materna em posicionar o bebê pode facilitar ou dificultar as mamadas.
Assim, que esse seja o primeiro alívio a essa mulher iniciando a vivência da amamentação. Ninguém nasce sabendo. Portanto, ser difícil é relativamente comum. Você não é culpada e não precisa aguentar “por que é assim mesmo”. Procure uma consultora de amamentação. Outro ponto importante, é que mãe e bebê, embora protagonistas, não são os únicos responsáveis pela construção desse amamentar tranquilo. A maternidade, a amamentação e o ser mulher estão impregnados culturalmente de julgamentos. A impressão é a de que as mães não fazem nada certo, nunca! Se escolhem parar de trabalhar para cuidar do bebê, não são profissionais, serão sustentadas pelo marido? Se decidem voltar cedo ao trabalho, são egoístas, não pensam no bebê? Se passam o tempo todo com a criança, não pode, precisa se cuidar, ter um tempo para si. Se deixam a criança para ir ao salão ou a academia, nossa, mas assim cedo? Agora é hora de dar atenção à criança! Que coisa mais recorrente ao ser mulher! Não pode ser solteira, não pode casar cedo e nem tarde, não ter filhos ou ter um só ou ter muitos. Viver mulher é viver julgada, tornar-se mãe é tornar-se culpada. Então que esse seja o segundo alívio: já que não há como agradar a todos, agrade-se. Que as escolhas sejam as melhores para a tríade mãe, bebê, companheiro ou companheira.
Amamentar é resistir, como vimos no texto anterior, e não termina logo depois de começar. Por quanto tempo devemos amamentar? Ah sim, a Organização Mundial da Saúde indica aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade e associado a alimentação como complemento até os dois anos, ou mais. A taxa de amamentação vem aumentando desde a década de 80, e hoje, no Brasil, cerca de 96% das crianças foram amamentadas em algum momento. Se por pouco ou muito tempo, pode depender de fatores complexos, relacionados a suporte às mães. Essa taxa pode cair 25% a cada três meses. Assim, a amamentação após os dois anos de idade, considerada amamentação prolongada, é muito mais rara. Apesar de continuar a trazer benefícios à mãe e, o agora, infante. O tempo médio de amamentação no Brasil é de cerca de um ano e meio e só cerca de 35% das mães brasileiras continuam amamentando até os dois anos. As menores taxas nessa faixa etária são observadas na região sudeste, em área urbana e entre famílias com maior poder aquisitivo. Faz pensar se a grande pressão aqui não é o retorno a um ritmo mais pesado de trabalho. Mas existe também a pressão social. Há quem veja as mães que insistem na amamentação prolongada como pervertidas emocionalmente. Dizem que o leite fica velho. Não fica! O amamentar prolongado é natural. Grandes macacos, como orangotangos, chipanzés e gorilas amamentam seus filhotes por até 7 anos. Nossa infância é muito longa e requer intenso cuidado parental. Não existe nenhum problema em manter a amamentação prolongada. O leite da mãe não envelhece. Continua um complemento rico, mantém a função de proteção imunológica, de proteção contra doenças crônicas e tem efeito positivo sobre o desenvolvimento cognitivo.
Precisamos investir em um ambiente mais favorável à amamentação, informando e acolhendo a mulher adulta que se encontra nesse papel de mãe. Já houve avanços importantes e leis que promovem licenças que permitem que a amamentação ocorra de maneira exclusiva por mais tempo. A tecnologia ajuda as mães a amamentarem e a retirarem leite para mamadas quando não estão presentes. Os pais passaram a requisitar tempo de apoio a suas companheiras e a licença paternidade foi implementada. O brincar de bonecas está sendo cada vez mais desmistificado e meninos podem brincar de serem pais. Quem sabe o próximo passo seja incluir o aleitamento materno na brincadeira das meninas, substituindo a mamadeirinha e a chupeta que acompanha as bonecas por algo mais similar ao aleitamento materno. Deixar as crianças assistirem o amamentar também é saudável e ensina.
Se você puder amamentar e ainda estiver reticente, dê uma chance, entregue-se a esse momento com seu bebê, sabendo que não será perfeito de primeira, mas uma conquista de ambos. Existem profissionais que podem ajudar. Se a amamentação não for uma escolha, saiba que amamentar é um ato de amor, mas não o único ato possível. Ouvi da minha filha, aos 3 anos de idade, quando resolvi iniciar o desmame: “Mas mamãe, o mamá é meu amor!” Expliquei que o colo da mamãe também era amor e que ela o teria para sempre. Agradeça a possibilidade de alternativas para a alimentação de seu bebê e forneça o colo e o aconchego. Estar de coração presente também é um ato de resistência!
Referências:
Fonte da imagem destacada: autoria de Vanessa K. Verdade
Binns, C., Lee, M.K. and Low, W.Y. (2016) The Long-Term Public Health Benefits of Breastfeeding. AsiaPacific Journal of Public Health, 28 (1). pp. 7-14.
Cunningham et al. 1991. Breast-feeding and health in the 1980s: A global epidemiologic review. The Journal of pediatrics 118 (5): 660-666.
ENANI. 2019. Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil. Relatório 4. Aleitamento materno.
Galdikas & Wood, 1990. Birth spacing patterns in humans and apes. American Journal of Physical Anthropology 83: 185-191. Kam, R. Breastfeeding A Toddler – 7 Benefits of Continuing Breastfeeding. August 1, 2022
Volk 2009. Human breastfeeding is not automatic: Why that’s so and what it means for human evolution. Journal of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology 3(4), 305-314.
Outros divulgadores:
FioCruz. Agosto Dourado: BLH/Fiocruz destaca benefícios da amamentação
Existem canais no youtube e contas no Instagram tratando da amamentação e assuntos relacionados, de forma séria e com propriedade: @amamentemais Enfa. Olga Carpi, @tiagopediatra Tiago Vannucchi @averonicalinder, @didashneider e @graziverdade Fga. Graziela Verdade.