#acessibilidade: A imagem é uma ilustração de um cenário noturno de um pântano sombrio e misterioso. No centro, destaca-se uma serpente formada por fogo azul brilhante, que parece se mover sinuosa e vividamente, iluminando o ambiente ao seu redor. O céu está escuro, e o cenário é envolvido por uma névoa densa. No fundo, troncos ocos de árvores estão emitindo suaves brilhos azulados. A água do pântano reflete uma enorme cobra feita de chamas azuis como se fossem pequenas fagulhas ou fantasmas luminescentes.
Texto escrito pelos colaboradores Eduardo Oliveira Stelmo da Silva e Solange Maria Longhitano Carbonel
O combustível que alimenta o movimento de um carro, a lenha queimada para esquentar o fogão, o carvão em chamas no churrasco, são exemplos de reações de combustão no nosso cotidiano. Esse tipo de reação não está apenas em nosso dia a dia, mas também está presente, de forma camuflada, no folclore e lendas de diversas culturas.
Para uma reação de combustão ocorrer, precisamos de três fatores: um combustível, um comburente e uma ignição. Você já deve ter ouvido aquela pergunta ao ir abastecer no posto de gasolina: deseja encher o tanque com álcool ou gasolina? Nesse exemplo, ambos são combustíveis. Eles, durante a sua queima, reagem com o oxigênio de nossa atmosfera, formando dióxido de carbono (CO2), outros subprodutos da queima incompleta, água e energia. Nesse caso, o oxigênio é o comburente.
Mas como os combustíveis não pegam fogo espontaneamente se o ar tem cerca de 20% de oxigênio? O que nos resta para entender é a ignição, uma fonte de energia externa que dá início à combustão, como um fósforo ou uma faísca criada na vela do carro. Vale ressaltar que, em alguns casos, no lugar de uma fonte de energia, um aumento de pressão pode funcionar como ignição, como, por exemplo, um veículo movido à diesel em que a combustão se dá pelo combustível injetado sendo comprimido pelo pistão.
Mas o que isso tem a ver com a lenda do Boitatá? É comum em lendas e folclores, relatos de chamas azuis que reagem à presença de alguém as perseguindo, ou que aparecem espontaneamente sem uma explicação clara, como é o caso da lenda do Boitatá. Segundo a lenda, o Boitatá (cobra de fogo em tupi-guarani), é uma serpente de fogos azuis que fica na beira de pântanos, ou que se esconde dentro de tronco de árvores, que se levanta na presença de intrusos e os persegue. Já em outras lendas, é relatado um brilho azul fantasmagórico em cemitérios, que se mantém tênue mas que persegue aqueles que chegam muito próximo, sendo interpretado como almas penadas.
Apesar de diferentes interpretações, podemos notar semelhanças entre os fenômenos. Nos casos relatados, há a presença de chamas azuis, que adiantamos ser o produto de uma combustão. Como vimos, para ocorrer a combustão, precisamos de um combustível, um comburente e uma ignição. Será que conseguimos identificar esses três fatores na história acima?
Em uma combustão, o comburente é, por muitas vezes, o oxigênio. Como esses fenômenos acontecem ao ar livre, com oxigênio presente, podemos considerar que já temos o comburente. Mas e quanto ao combustível? Na história do Boitatá, ela se passa em pântanos, já nas outras lendas, no cemitério. Ambos ambientes são ricos em matéria orgânica, onde estão presentes bactérias anaeróbicas, que são capazes de degradar essa matéria orgânica, liberando gás metano. O metano é um combustível que, em sua queima completa, libera uma chama de coloração azul.
Agora, para que aconteça a ignição, é necessária a existência de uma fonte de calor para iniciar a queima do metano. E agora? Calma, para tudo na natureza há uma explicação! Durante a degradação da matéria orgânica é liberado também um gás em pequenas quantidades, chamado fosfina. A fosfina possui uma característica particular: a energia de sua ignição é tão baixa, que ela queima em contato com o ar, liberando calor e uma cor azulada. A energia liberada em sua combustão é suficiente para acionar a combustão do metano também presente no ambiente.
Mas por que a chama persegue os intrusos? Ao se aproximar dessa chama e fazer um movimento brusco em sua proximidade, como o de alguém fugindo em apavoro, ocorre o deslocamento do ar em volta, movimentando os gases em combustão presentes e dando a impressão que as chamas estão o perseguindo. Para complementar, a queima da fosfina com o metano gera chamas de 2 a 3 metros de altura, lembrando o formato de uma cobra.
Esse fenômeno que acontece em ambientes ricos em matéria orgânica é chamado de fogo fátuo. A explicação envolvendo a combustão de gases foi dada por W. Durham em 1729, que observou o fogo fátuo por meio século e refutou a ideia da época, que considerava que ele era causado por vermes bioluminescentes voadores.
Bem curioso, não é? Se algum dia você observar esse acontecimento, vai parar quem estiver do lado e contar a ciência por trás, ou correr por medo do Boitatá?
Fontes:
História e origem da lenda do Boitatá. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/boitata/>. Acesso em 11 de out. de 2024
DANIEL NEVES SILVA. Boitatá: o que diz a lenda, origem. Disponível em: <https://escolakids.uol.com.br/historias/boitata.htm>. Acesso em: 11 out. 2024.
Monstrum | Will-o’-the-Wisp: Monstrous Flame or Scientific Phenomenon? | Season 3 | Episode 5 | PBS. Disponível em: <https://www.pbs.org/video/will-o-the-wisp-monstrous-flame-or-scientific-phenomenon-dsugln/>.
EDWARDS, H. G. M. Will-o’-the-Wisp : an ancient mystery with extremophile origins? Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 372, n. 2030, p. 20140206, 13 dez. 2014.
La Lumièra, o Boitatá e o Fogo-Fátuo. Disponível em: <https://www.silvanatoazza.com.br/opiniao/detalhe/la-lumiera-o-boitata-e-o-fogo-fatuo>. Acesso em: 13 out. 2024.
FINZETTO, ÂNGELA. Quem é o Boitatá. Coleção Folclore em Cantos e Contos: histórias, brincadeiras e cantigas da cultura brasileira. Brasileitura. Disponível em: <https://musicanarede.fames.es.gov.br/Media/MusicaNaRede/Livros/Lendas%20Brasileiras/Boitat%C3%A1.pdf>. Acesso em: 05.nov.2024.
https://angloresolve.plurall.net/press/question/7343540
https://brasilescola.uol.com.br/quimica/fosfina-sua-queima-um-terror.htm
https://cetesb.sp.gov.br/laboratorios/wp-content/uploads/sites/24/2020/08/Metano.pdf
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