#acessibilidade: Pele virtual com formação de vesícula contendo cafeína pela ação de um campo elétrico. A imagem mostra uma simulação molecular de uma membrana lipídica altamente detalhada, com diferentes tipos de moléculas representadas por esferas coloridas. A estrutura principal da imagem é uma membrana composta por duas camadas de lipídios (bicamada lipídica), que está se curvando e formando uma vesícula. Do lado direito, uma vesícula esférica está se formando a partir da membrana, um processo semelhante à brotação. Esta vesícula é composta por lipídios da mesma forma que a membrana principal, e contém várias moléculas pequenas em seu interior. As moléculas pequenas, destacadas em vermelho, são identificadas por uma legenda como “moléculas de cafeína”. Algumas dessas moléculas estão espalhadas ao redor da membrana no ambiente aquoso, enquanto outras estão encapsuladas dentro da vesícula, que é destacada por um círculo e rotulada como “Vesícula com cafeína”. A imagem utiliza cores vibrantes e detalhamento atômico para mostrar a organização e interação das moléculas. Linhas finas conectam os átomos, representando as ligações químicas.
Texto pelos colaboradores do Grupo de Pesquisa em Biofotônica, no Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC Neila Cristina Machado, Pós-doutoranda, e Herculano da Silva Martinho, Professor Associado III
As peles virtuais podem ajudar os cientistas que trabalham desenvolvendo medicamentos a fazer previsões a respeito de novas tipos de terapias e remédios mais eficazes. Estas novas terapias podem ajudar a resolver algumas questões atuais da medicina, por exemplo: por que os medicamentos não funcionam para todos os pacientes?
Existem algumas doenças onde esta situação é mais grave. Para câncer, em geral 75% dos pacientes não têm drogas que sejam efetivas para o seu tratamento. As drogas disponíveis não causam nenhum efeito. Para Alzheimer, essa taxa chega a 70%. Para artrite, 50%. Diabetes, 43%. Depressão, 38%. E os analgésicos, em geral, não funcionam para 20% dos pacientes.
Por conta deste tipo de problema e limitação, é uma necessidade atual da medicina e da farmácia, o desenvolvimento de novas tecnologias capazes de oferecer ao paciente algum tipo de terapia que seja mais efetiva, que não tenha efeitos adversos. Uma das opções em investigação pelos cientistas envolve melhorar a entrega de fármacos ao organismo, de modo que consigam chegar exatamente no local de interesse, de maneira mais rápida sem causar efeitos colaterais e que seja mais efetivo. Isto poderá promover um tratamento mais rápido e com resultados mais eficazes.
Um exemplo de metodologia que tem sido investigada atualmente com esse objetivo é o chamado carregamento de fármacos utilizando a iontoforese. A iontoforese é uma técnica onde se consegue fazer com que o medicamento atravesse a pele e seja entregue diretamente onde precisa estar, como por exemplo, a corrente sanguínea. O elemento que causa essa migração, essa permeação do fármaco, é uma corrente elétrica aplicada na região onde o remédio está sendo administrado (Figura 1).

Esta corrente gera um fluxo de fármaco entre as diversas camadas da pele, chegando à corrente sanguínea, por exemplo. No entanto, a pele é uma estrutura que existe para proteger o organismo de agentes externos, o que dificulta a permeação de ingredientes ativos. Suas três camadas principais — epiderme, derme e subcutâneo — têm como função limitar essa migração.
A aplicação de campos elétricos tem se mostrado eficaz para promover esse tipo de migração. Contudo, o mecanismo associado à maneira como essa migração ocorre ainda não é totalmente esclarecido. Por isso, ainda há bastante esforço sendo empregado nessa tecnologia para aumentar a quantidade de fármaco que consegue atravessar a pele.
É aqui que entra a pele virtual.
Com a capacidade computacional atualmente disponível, cientistas são capazes de replicar, em computadores, estruturas complexas como algumas camadas da pele, contendo mais de 500 mil átomos. Utilizando uma técnica chamada de dinâmica molecular, é possível simular experimentos com esta pele. Por exemplo, ao aplicar um campo elétrico sobre a pele, é possível realizar um experimento virtual de iontoforese, e fazer observações de interesse: como determinado fármaco se comporta, qual a eficiência no seu transporte, qual caminho ele faz dentro da pele, dentre outras.
A dinâmica molecular é uma maneira de simular como os átomos e moléculas se movem, usando as leis de Newton, especialmente a segunda lei, que diz que a força é igual à massa vezes a aceleração (F = m·a). Isso significa que, se soubermos a força que age sobre cada átomo, podemos calcular como ele vai se mover com o tempo. Usando supercomputadores, os cientistas aplicam essa ideia para prever o movimento de milhares de átomos em uma substância, como as partes de uma proteína, gotinhas de água ou moléculas de um remédio. Essas simulações ajudam a entender como as moléculas se comportam, interagem e mudam de forma, algo essencial para áreas como a biologia, a química e o desenvolvimento de novos materiais e medicamentos.
Nosso grupo de pesquisa na UFABC, mostrou recentemente que a cafeína pode ser transportada através da pele por iontoforese (Figura em destaque) usando a dinâmica molecular. A cafeína tem importantes propriedades terapêuticas, sendo um potente anti-inflamatório com capacidade de retardar o envelhecimento.
O fato interessante é que estas moléculas de cafeína são transportadas através de vesículas, que são formadas pela presença do campo elétrico! Essas vesículas são estruturas ricas em água, com capacidade de carregar medicamentos para dentro do organismo.
Os experimentos virtuais que realizamos mostraram que é possível o transporte da cafeína através da pele.
Este tipo de experimento, utilizando-se a pele virtual, oferece vantagens significativas na pesquisa de carreamento de fármacos(*). Ela permite uma compreensão detalhada, em nível atômico, das interações entre os fármacos e a pele. É possível recriar condições próximas às fisiológicas, fornecendo informações sobre estabilidade e mecanismos de liberação do fármaco. Outra vantagem muito importante, é a redução da necessidade de realização exaustiva de experimentos em laboratório, otimizando tempo e recursos no desenvolvimento de medicamentos mais eficientes e seletivos.
* Esta abordagem também é chamada “in silico”. É uma expressão pseudolatina que surgiu em analogia aos termos “in vivo” e “in vitro”, comumente usados em biologia, e significa literalmente “em silício”, em referência ao material usado em chips de computador.
Fontes: N. Machado et al. “Enhanced transdermal permeation of caffeine through a skin model using electric field-induced lipid vesicles: a novel approach for drug transport.” Physical Chemistry Chemical Physics 27.17 (2025): 8824-8832.
Para saber mais:
Learn the Basic Concept of Molecular Dynamics Simulation, Bioinformatics Insights,
Structure & Dynamics of Biological Membranes: Lipid-Protein Interactions, Erik Lindahl