#acessibilidade: Fotografia do Arquipélago de Mariuá, com o centro da imagem arborizado e o topo e a base com água doce de um azul intenso, por Ana Claudia Jatahy – MTUR
Texto escrito pela colaboradora Vanessa Verdade
Este é o último texto da série especial que publicamos a respeito das temáticas discutidas na COP 30. O desejo daqueles preocupados com o futuro da humanidade era sair do evento com uma carta com metas claras e na mesma medida do enfrentamento que temos pela frente. Infelizmente, não foi dessa vez. Os problemas são conhecidos, mas existe uma dificuldade política enorme em transformá-los em palavras nas cartas de intenção. Termos são amenizados e, junto com eles, os compromissos assumidos. A urgência das medidas, no entanto, só aumenta.
Como ainda veremos “muita água rolar”, concluiremos com ela e a importância dos mananciais. Embora o tema seja água, começaremos mais uma vez, com a floresta. Você deve ter aprendido que florestas tropicais crescem em locais quentes e úmidos. E também já deve ter ouvido falar que o desmatamento da Amazônia diminui as chuvas que caem sobre a floresta e também em outros locais, como no sudeste do Brasil. Mas afinal, não é onde chove muito que há florestas? Como pode a floresta afetar a quantidade de chuvas? De fato, as florestas tropicais estão presentes em regiões onde o clima é quente e úmido. Mas o que sustenta uma floresta em pé ao longo de muitas gerações, não é só a umidade.
Há muito se fala sobre a desertificação decorrente do desmatamento da Floresta Amazônica. Os solos da região amazônica são arenosos. Quando as árvores são retiradas, o aporte de matéria orgânica, na forma de folhas e galhos, diminui e, sem as árvores, a umidade diminui e a ciclagem dos nutrientes é mais lenta. Sem árvores, a chuva que cai, atinge o solo com mais força e sem o emaranhado de raízes, o solo é lavado dos nutrientes. O que resta é solo pobre em nutrientes e que não permite a germinação das árvores da floresta.
Além do efeito local, a retirada das árvores afeta o regime de chuvas, como vimos anteriormente (se não leu, clique aqui). Para chover, não basta umidade, são necessários centros de condensação do vapor de água. A floresta produz em suas folhas substâncias químicas liberadas na forma de aerossóis e que funcionam como esses centros. A umidade que chega através das correntes de ar que vem do Nordeste, condensam sobre a floresta Amazônica. O que seria esperado, é que esses ventos seguissem caminho mais secos. Mas as florestas não só contribuem para a formação de chuvas através da condensação do vapor de água, como também repõem através da evapotranspiração parte da umidade perdida pelas correntes de ar.
Em se tratando da Floresta Amazônica e da circulação de ventos na América do Sul, quanto mais devastação na floresta, menor será a quantidade de vapor de água disponível circulando nos chamados “Rios voadores”. Esses rios, são correntes de ar úmido que, barradas pela cordilheira dos Andes, navegam para o Sul e, que ao encontrarem o ar mais frio nessa região, descarregam o vapor de água na forma de chuva, principalmente nos estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo. Esses “Rios voadores” foram observados através de balões atmosféricos que navegaram a cerca de 3Km de altura e com velocidade de até 50Km/h e chegaram até São Paulo. Não são artifícios teóricos.
Ou seja, não dá para falar do ciclo da água e da importância dos mananciais do Sudeste, sem falar de floresta Amazônica. Alguém que ouve a notícia sobre desmatamento da Amazônia e acha que isso pouco tem a ver com sua vida em São Paulo, muito se engana. O racionamento de água que o atinge no inverno seco, tem a ver com reservatórios que não atingiram seu nível máximo no verão, porque anda chovendo menos do que de costume. E anda chovendo menos, porque a área de Floresta Amazônica está diminuindo e isso afeta a circulação dos “Rios voadores”. Está tudo conectado.
A essa altura, você pode ter pensado: mas vira e mexe alaga tudo! Se essa coisa dos rios voadores fosse assim mesmo, não tinha que faltar água cada vez mais? O raciocínio seria esse, se a circulação de umidade e das correntes de vento dependesse exclusivamente da floresta. Mas existem eventos de escala mais ampla que afetam o sistema, como o aquecimento anormal (El Niño) ou resfriamento anormal (La Niña) das águas superficiais do pacífico. A quantidade e concentração de chuvas depende de diversos fatores e pode afetar de maneira diferente as diversas áreas do planeta. Por exemplo, o estudo de estalactites em cavernas de Minas Gerais indica que o cerrado da região está mais seco do que já foi há 700 anos. No entanto, desde 1950, chuvas intensas e localizadas têm aumentado em frequência no Rio Grande do Sul, causando grandes enchentes.
É a água da chuva que chega ao sudeste que abastece os mananciais. Mananciais são reservatórios de água superficial e subterrânea, como aquíferos e lençóis freáticos, que suprem de água a população, o agronegócio e a indústria. Quase 72% dos municípios do estado de São Paulo usam água subterrânea em suas atividades. A alteração da cobertura do solo e a retirada intensiva de água prejudica o Aquífero Guarani (maior reservatório subterrâneo da região) e requer gestão de recarga, recuperação e tratamento. A diminuição dos níveis de água subterrânea já atinge municípios do interior do estado, como Bauru e Ribeirão Preto e também Diadema, Mauá, São Bernardo do Campo e Santo André, no Grande ABC. A manutenção desses mananciais depende da fiscalização contra poluição e, especialmente, desmatamento. A floresta Atlântica que cobre o solo também ajuda a reter a água da chuva e a recarregar esses mananciais. O abastecimento de água de milhões de brasileiros depende da preservação de duas das Florestas tropicais mais exuberantes do globo: as Florestas Amazônica e Atlântica. Foi um banho de água fria que tomamos ao final da COP 30. Mas nada melhor do que água para lavar a alma e renovar as forças para seguir adiante. Temos um planeta azul para recuperar.
Referências:
Para saber mais:
Pontos de não retorno: https://global-tipping-points.org



