A nanociência nas asas do beija-flor (V.5, N.8, P.6, 2022)

Facebook Twitter Instagram YouTube Spotify
Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade: No centro da imagem há um beija-flor com penas em cores brilhantes: azul escura, azul clara, verde, amarela e laranja. O pássaro está em cima de um galho de uma árvore. O fundo da foto está desfocado, destacando-se o beija-flor.

A presença e origem da cor em plantas e animais tem despertado a nossa curiosidade desde tempos remotos. Atualmente sabemos que a presença de cor na natureza e suas mudanças possuem diferentes funções e geralmente está associada à presença de pigmentos (vitaminas, antocianinas, clorofila, dentre outras – veja mais sobre o assunto em Cores para Além do Colorido e em Quais Cores Devo Comer?) ou bioluminescência (Seres Bioluminescentes) que podemos chamar de “cor química”, observável aos nossos olhos graças à interação da luz com as estruturas químicas desses compostos.  Inclusive, estes pigmentos podem ser extraídos e utilizados para dar cor a diversos produtos, como os alimentos, cosméticos ou têxteis.

Porém, existe outro tipo de cor na natureza conhecida como “cor estrutural”, que não é devida à presença de pigmentos e sim à formação natural de micro e nanoestruturas altamente organizadas, que fazem com que ocorram fenômenos ópticos quando interagem com a luz. Podemos dizer então que esta é uma “cor física”. Nas asas dos pássaros, como o beija-flor, a cor estrutural explica a aparência de brilho metálico que observamos neles, que tem origem no efeito que conhecemos como iridescência (mudanças nos tons de cor quando variamos o ângulo desde onde se observa ou desde onde a luz chega), junto com outros fenômenos como espalhamento de luz. Embora a iridescência nas penas dos pássaros de modo geral esteja associada à presença de nanoestruturas compostas de organelas contendo melanina (melanossomos), os tons mais “brilhantes” provêm da interferência da luz com estruturas que se assemelham a cristais fotônicos, definidos como estruturas que apresentam mudanças periódicas no índice de refração. No caso das penas, esses cristais são formados por arranjos de melanossomos e queratina. Quanto mais interfaces são acrescentadas, o cristal fotônico amplifica a saturação da cor e o brilho. Assim, o “brilho” mais fraco se produz por monocamadas (ou seja, uma camada única) de melanossomos.

Mas não é somente o arranjo destas estruturas que causam o belíssimo efeito óptico que observamos na plumagem de muitos pássaros, mas também sua morfologia e composição. Estudos têm mostrado que elas existem na forma de nanobastões ou nanoplaquetas sólidas ou ocas (recheadas de ar), como mostradas na figura abaixo.

melanossomos 300x196 - A nanociência nas asas do beija-flor (V.5, N.8, P.6, 2022)

Ilustração de alguns tipos de melanossomos e seus arranjos em camadas formando cristais fotônicos. A-B: nanobastões sólidos e ocos e C. nanoplaquetas. D: Nanoplaquetas ocas, encontradas em várias espécies de beija-flor como por exemplo no E. beija-flor de garganta rubi (Archilochus colubris).

Uma observação interessante é que os nanobastões de maior espessura estão associados à iridescência mais fraca e são similares aos melanossomos encontrados em penas completamente pretas, o que levantou a hipótese de que as outras morfologias que formam cristais fotônicos, são derivadas deles. As quatro novas formas e composições (nanobastões sólidos e ocos, nanoplaquetas sólidas e ocas) parecem ter sido essenciais na evolução do brilho da iridescência, na ampliação da faixa de cores produzida e na aceleração na diversificação das linhagens. Pode-se dizer então que as propriedades que definem a interação com a luz nestas estruturas são a espessura das camadas de melanina, sua forma e a composição (sólidas ou recheadas de ar).

A espessura das camadas de melanina ajusta o tipo de interferência, de tal forma que  camadas mais finas formando os cristais fotônicos geram cores iridescentes mais brilhantes. Ao que parece, a dimensão de cada camada é encontrada na faixa entre  aproximadamente 37 e 206 nm, provavelmente para gerar reflectância em comprimentos de onda na região do ultravioleta, que faz parte da faixa na qual os pássaros conseguem ver.

Já no caso da composição destas estruturas, estamos nos referindo ao “recheio” ou bolsão de ar dentro delas, que incrementam a reflectância pela maior diferença no índice de refração, fazendo com que a cor observada seja mais brilhante. Isto porque o índice de refração do ar (n=1) é menor que o da queratina (n=1,56).

Por fim, no caso das diferentes morfologias, a formação de nanoplaquetas (formas semi-esféricas achatadas) parece ter ocorrido com o objetivo de incrementar a reflexão total, seja pelo empacotamento mais efetivo das camadas de queratina e melanina ou devido à sua superfície polida, similar a um espelho.

As estruturas nanométricas presentes na natureza e suas propriedades ópticas únicas têm nos inspirado ao longo de vários séculos,  e atualmente é possível produzir  tanto no laboratório quanto em escala industrial, nanoestruturas dos mais diversos tipos de materiais (metais, sílica, lipídeos, etc.) e suas misturas. Assim, podemos explorar diferentes morfologias, composição química, modificações na superfície, para aplicações em sensoriamento, medicina, produção de vacinas, aquisição de imagens de células ou tecidos, recobrimento de superfícies dentre outras inúmeras aplicações que influenciam direta ou indiretamente no nosso cotidiano. E claro, imitar a beleza da natureza!

Fontes: 

Fonte da imagem destacada: licenciado sob a licença Creative Commons  CC BY-SA 2.0, foto de Fernando Flores. Retirada de: Golden-tailed Sapphire | Colibrí cola de oro (Chrysuronia oenone oneone).

Fonte da imagem 1: licenciado sob a licença Creative Commons  CC BY-NC-SA 2.0, foto de David Illig. Retirada de Archilochus colubris, Ruby-throated-Hummingbird.

Evolution of brilliant iridescent feather nanostructures | eLife

How hollow melanosomes affect iridescent colour production in birds | Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences

Key ornamental innovations facilitate diversification in an avian radiation | PNAS

Spatially modulated structural colour in bird feathers

Taking a Bird’s-Eye View…in the UV: Recent studies reveal a surprising new picture of how birds see the world

Para saber mais:

A asa da borboleta e a nanotecnologia: cor estrutural

Compartilhe:

1 comentário(s) em “A nanociência nas asas do beija-flor (V.5, N.8, P.6, 2022)

Responder

Seu endereço de e-mail não será publicado.Campos obrigatórios estão marcados *